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Juan

– Filho, se Flora não quer se casar, por que está insistindo nisso? A menina não quer, diga que pensou melhor; não será vergonhoso.

Minha mãe está com um dos malditos diários de Mirela na mão; ela melhorou e com isso decidiu que iria ler os diários da minha irmã. Não consegui ler nenhum deles, pois sabia bem que não suportaria saber das merdas da minha irmã.

– Mãe, ela não tem de querer. É uma filha das cinco famílias e sabe das obrigações que tem; além disso, não vou perder o dote e as terras que vou ganhar por conta de birra de uma garota mimada.

– Juan, fui contra o casamento da sua irmã com Maurílio; seu pai pensava assim como você, bateu em Mirela porque sua irmã não queria. O que aconteceu? Mirela se revoltou, ficou sedenta por poder, pois pensava que tendo uma posição de destaque na família não seria obrigada a fazer nada que não quisesse, o resultado você já sabe. O que tornou sua irmã uma vilã não foi falta de disciplina e sim falta de amor. Você não ama essa moça, vai acabar transformando Flora em Mirela, depois ficará como Maurílio. Lembro como Rossio era um homem bom e agora é amargurado e frio.

Flora não será como Mirela; vou separá-la de todos, vivendo apenas para mim. Não terá tempo para tramar nada ou pensar bobagens como Mirela fez.

– Isso não vai acontecer. Agora, vamos descer; a família Acácia já deve estar chegando. Quero mostrar como somos pontuais.

Minha mãe se levantou descontente por ter que ser anfitriã desse jantar de noivado. É uma maneira de oficializar nosso compromisso perante todos; por isso, sua presença é importante. Em poucos minutos que descemos, a família Acácia chegou; somente os pais, Miguel e Flora estão aqui. Depois do que houve no dia do restaurante, meu cunhado, por sugestão minha, mandou Emanuel para a Espanha. Só estranhei Rafael e Celeste não estarem aqui.

Nos cumprimentamos como manda a formalidade. Flora está séria ao lado dos pais, enquanto Miguel cumprimenta minha mãe. O olhar da minha noiva não transparece nada, como se somente seu corpo estivesse aqui. Minha mãe leva os pais e Miguel para a mesa, sorrindo como uma perfeita dama da Organização. Flora fica para trás; aproveito para pegar em seu braço, puxando-a para um corredor afastado.

– O que é isso, Magalhães? Enlouqueceu? Meus pais estão aqui, Miguel também. Pode me soltar, por favor.

– Quero saber o que deu em você no restaurante. Dei um tempo para pensar, mas agora imagino que possa me explicar.

Flora se aproximou da parede, sorrindo como uma prostituta. Olhou na direção da entrada do corredor, percebendo que ninguém viria, e abriu os botões da blusa que usava, mostrando o decote.

– Pensei que você soubesse, Juan. Queria você, e não me quis. Quer esse casamento de qualquer jeito. Sua insistência me irrita. Poderia simplesmente tornar essa situação mais agradável para nós, ao invés disso, quer ser certinho, agindo como um homem de honra. Se quiser, podemos nos encontrar em um lugar discreto, sem que ninguém possa nos atrapalhar.

Flora tentou ficar mais perto de mim; fui rápido em afastá-la. É um plano para que a desonre e possa se envolver com o homem de quem está apaixonada, sem impedimentos.

– Não vou cair nessa armadilha, garota estúpida. Arrume essa blusa e vamos jantar. Nada nesse mundo vai tirar o meu prazer de fazê-la minha pelo resto de nossas vidas. Não vou trepar com você antes da hora para ficar livre para ser uma vagabunda. Vou educá-la como seus pais não fizeram, e no final será como eu desejo.

Ela ajeitou a blusa, abotoando os botões, e saiu em direção à sala de jantar sem discutir. Flora vai aprender a andar conforme meu desejo. Não vou desistir desse casamento; mesmo que ela não deseje ser minha, isso realmente não me importa.

Flora

Ele não aceitou ficar comigo, mesmo eu agindo como uma vadia. O jantar foi tão esquisito. Minha sogra não quer essa união, mais um problema de tantos que esse compromisso me trouxe. Rafael e Celeste saíram de casa sem se despedir; parecia que estavam fugindo. Algo muito grave aconteceu que não quiseram me contar. Miguel está mais nervoso do que o normal, principalmente agora que soube sobre o compromisso de Elisa com Jacó. Ele tinha planos de se casar com ela, que foram frustrados por Jacó.

Estou levando os convites junto com a minha mãe, mas pelos motivos óbvios resolvi vir sozinha aqui na casa Rossio. Não tinha muita certeza se seria bem recebida. Irma, quando noivou com Maurílio há seis anos atrás, foi até minha casa entregar o convite. Minha mãe não a recebeu e ainda a tratou mal. Fiquei tão chateada com mamãe; ela não podia ter sido grossa com Irma, só por conta do passado dela.

Bato na porta sendo atendida por ela. Estranhei que não foi a governanta a atender a porta. Irma sorriu, me recebendo com atenção. Não sabia se poderia pedir um favor a ela; não somos parentes nem tampouco amigas, mas não tenho ninguém a quem possa pedir isso sem despertar suspeitas.

– Como posso ajudá-la, Flora? Peço desculpas por estar usando um avental. Estou fazendo o almoço para as crianças. Prefiro cuidar dos meus filhos sem babás ou empregados que serviam a Mirela e Maurílio. A verdade é que eu não confio em ninguém que trabalhou aqui antes.

– Trouxe o convite do meu casamento e também gostaria de pedir um favor: as farmácias das famílias não vendem anticoncepcionais para as filhas da cinco; é uma forma de não nos deixar ter controle de natalidade. A questão é que eu não quero ter filhos. Meu futuro noivo está se casando comigo para que eu possa ser sua vaca reprodutora, só que eu não quero isso. Você não é filha da Organização, e com certeza poderia comprar no território neutro ou até na farmácia da cidade Rossio.

Ela se senta, parecendo pensar no meu pedido. Celeste já tem problemas demais para lidar, como também Rafael. Nem posso falar com Emanuel; Miguel não me deixa ter contato com meu irmão. Estou isolada de todos que amo por um homem que tornou minha vida horrível. Talvez, se não tiver filhos, Juan me deixe na fazenda sozinha, sem sua presença. Sei que vai me procurar até conseguir me engravidar, mas assim que perceber que não vai conseguir, irá me abandonar.

– Para comprar anticoncepcionais, preciso de receita. Tem que passar no médico para saber qual é o mais apropriado para você, Flora. Comprar um método contraceptivo não é tão simples assim.

– Você tem razão. Que burrice a minha, não é? Me desculpe por cogitar algo absurdo. Espero sua família no casamento.

Já estava me preparando para ir embora quando Irma me impediu.

– Não falei que não compraria. Vou comprar o mesmo que uso. Não que esteja fazendo algo, mas depois que se vive com alguém como Maurílio, se aprende a ser prevenida. Inclusive, vou dar a você algumas caixas que compro de extras quando as suas acabarem. Você me pede outras.

Não podia acreditar que Irma iria me ajudar; a abracei como agradecimento. Não dar filhos a Juan é o melhor para evitar que queira ficar comigo. Quando perceber que sou “seca”, vai, com certeza, querer abrir mão de mim.

– Diga que o remédio são vitaminas se alguém achar. Esconda em um lugar que ninguém na sua família vai desconfiar. Tire da caixa, use conforme a tabelinha da própria cartela; quando acabar, você vai menstruar. Só espero que não tenha nenhuma reação adversa do anticoncepcional; se tiver, daremos um jeito.

– Não tenho como agradecer a ajuda que está me dando.

– Estou fazendo isso pelo dia que sorriu para mim quando levei o convite do meu noivado há seis anos atrás, enquanto sua mãe foi uma imbecil comigo. Você foi generosa, é uma boa moça, não merece carregar filhos de um homem que não ama. Sei como isso pode ser um fardo. Eu amo João, mas sei que ele pode se tornar um homem como o pai, mesmo sendo criado para ser diferente.

Meu medo era o mesmo que o dela; Juan se mostrou um homem possessivo, obsessivo e controlador. Sei que tendo um filho seu, será pior para mim; seu controle e domínio sobre minha vida serão muito maiores. A melhor decisão é não ter filhos com ele; ser infeliz sozinha será melhor do que incluir crianças nessa relação.

A Confiança - A Organização - Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora