Enzo Martins
Graças a Deus chegou o final de semana, passei a manhã toda dormindo. Eu tava necessitado de um sono desse.
Quando eu levantei já era hora de almoço, então acabei decidindo almoçar direto ao invés tomar café.
Desci as escadas e me deparei com uma cena que nunca vi na minha vida, meu pai cozinhando.
— Cadê a Flávia? - Perguntei desconfiado.
— Dei folga pra ela esse fim de semana. - Respondeu enquanto colocava alguma coisa no forno.
— E a Lara? - Perguntei olhando em volta e não encontrando ela.
— Foi brincar com a filha da vizinha. - Respondeu olhando pra mim — Você tá bem, filho?
— Eu to. - Respondi franzindo a testa — Por que a pergunta?
— Acordou tarde, normalmente você levanta cedo. - Respondeu me analisando — E também to te achando com uma expressão diferente, aparentando estar meio pra baixo.
— To numa boa, pai. É só impressão sua. - Logo desviei da conversa e ele me olhou por alguns segundos, concordando com a cabeça em seguida.
— Pode sentar, tá quase pronto. - Mudou de assunto indo em direção ao forno.
— Como tá quase pronto se você acabou de colocar aí? - Coloquei ele contra ele.
— Porque eu só coloquei pro queijo derreter. - Respondeu simples — Tá achando que eu não sei cozinhar?
— Sim. - Sentei me espreguiçando pra trás — Nunca vi você cozinhando em 20 anos.
— É... - Falou jogando o pano de prato no ombro — É a falta de tempo.
Eu ri ironicamente da resposta dele, mas não falei nada.
Ele colocou a forma na mesa e nos servimos.
— Come, Enzo. Para de ficar caçando defeito na comida. - Me repreendeu e eu parei de encarar a comida.
— Nossa... - Falei me surpreendendo ao provar — Como você me escondeu durante 20 anos que sabe cozinhar? - Perguntei assustado por estar muito boa a comida.
— Eu não te escondi. - Respondeu rindo — Era só algo que eu nunca tive tempo.
— Sim, entendo. - Concordei — Sempre o trabalho, né. - Fui irônico e ele me encarou largando o garfo.
— Vai ser assim sempre? - Perguntou me olhando sério — Com respostinhas debochadas?
— Foi assim sempre, pai. - Falei dando de ombros voltando a comer — Não entendo todo esse seu esforço repentino.
— Eu só to tentando ser melhor pra você e pra sua irmã. - Admitiu desviando o olhar pra um ponto qualquer.
— Mas por que isso agora? - Fui sincero — Do nada acordou disposto a ser um pai melhor?
— Por que você não baixa a guarda? - Falou em tom sugestivo — Tem todo esse rancor de mim mas nunca nem se quer me deu uma chance de ser um pai melhor pra você. Todas as vezes que tentei me aproximar, sempre fui cortado pelas barreiras que você colocou entre a gente.
— Eu que coloco barreiras? - Ri frustrado — Quem criou essa barreira foi a sua ausência. Não vem me culpar pela forma que eu escolhi lidar com o estrago que você fez.
Levantei sem nem mesmo terminar de almoçar e voltei puto pro meu quarto.
Minha mente tá uma puta confusão do caralho, eu to a beira de um colapso.
É a situação mal resolvida com a Cecília, é a situação "resolvida" com meu pai que o normal era estar mal resolvida... To ficando maluco já, pô.
E pra piorar abri o instagram e vi algum story dela na praia, fazendo meu coração acelerar na hora. Não gosto nem de imaginar o tanto de nego que deve tá babando nela nesse exato momento.
Essa situação que passei agora com meu pai me fez lembrar da vez em que fui com ela no Subway quando o Felipe fez uma festa na casa dele. A Cecília conseguiu arrancar tudo da minha vida numa simples conversa.
Ela até me falou umas paradas maneiras sobre o fato do meu pai ser ausente ser um mecanismo de defesa. Fez sentido na hora que ela tava falando sobre isso.
Meus pensamentos foram interrompidos, como sempre, por duas batidas na porta do meu quarto e meu pai entrando pela mesma.
Ele se jogou do meu lado na cama e ficamos em silêncio, por um bom tempo.
Comecei a ficar com a consciência um pouco pesada pelo jeito que falei com ele.
— Bora dar um pulo no parque? - Quebrei o silêncio na tentativa de deixar pra trás a nossa discussão.
— Bora. - Falou levantando sem entender nada.
Fui direto vestir um short e calcei meu tênis da nike que eu usava pra fazer atividades físicas.Desci as escadas e peguei duas garrafinhas, enchendo de água gelada.
Meu pai logo desceu com uma blusa mais esportiva, bermuda e tênis.
— Que foi? - Perguntou pegando a garrafinha da minha mão — Tem alguma coisa de errado em mim?
— Não, só me acostumando com você sem roupa social. - Falei sendo sincero e ele riu.
— Você queria que eu fosse no parque com você de jaleco? - Perguntou retoricamente e eu fiz careta — Vou só avisar a vizinha e nós vamos. - Disse se referindo a Lara e eu concordei destravando meu carro.
Enquanto meu pai foi falar com a vizinha sobre nossa ida ao parque, aproveitei pra ir tirando o carro da garagem.
Parei próximo a ele, que acenou pra vizinha e entrou no banco do passageiro.
Conversamos sobre coisas aleatórias no caminho e confesso que era bem estranho estar dentro de uma boa relação paterna, mesmo que algo me diga ser temporário.
Parei no estacionamento do parque e fomos alugar bicicletas pra tomar um ar puro.
Já estávamos pedalando há mais de 30 minutos e foram 30 minutos em silêncio. Mas um silêncio bem tranquilo, representando paz e calmaria, tudo que me falta.
Entregamos as bicicletas e meu pai quis parar pra tomar água de coco.
— Eu tinha esquecido do quanto era bom ter esse contato com a natureza. - Falou olhando o parque — As pessoas parecem mais felizes aqui.
— Eu nunca esqueci, sempre que não to muito legal venho espairecer. - Falei com o pensamento distante.
— E o que te fez vir aqui hoje? - Perguntou — Tem algo a ver com a loira bonita que tava na apresentação da Lara?
— Talvez... - Falei sorrindo de canto sem receio.
— Ela é minha nora? - Perguntou sorrindo e eu ri.
— Não, pai. Não viaja. - Falei com um pouco de vergonha e puxei meu canudo pra dar um gole na água.
— Eu te conheço muito mais do que você pensa, Enzo. Eu vi o jeito que você olhava pra menina, teu olho até brilhava, filho.
— Não to curtindo o rumo que a conversa tá indo. - Falei meio sem jeito e meu pai riu

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Aquela Pessoa
Teen FictionEm um dia comum no estacionamento da faculdade, um acidente inusitado une os caminhos de duas pessoas que, até então, eram completos estranhos. O impacto do encontro vai muito além dos carros amassados: suas vidas começam a se entrelaçar de maneira...