6.

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Entro no nosso quarto esfregando a toalha nos meus cabelos molhados e antes mesmo de olhar para o seu canto do quarto; sei que Sebastian está aqui, simplesmente porque como da primeira vez que entrei nesse quarto; seu perfume forte demais me cumprimenta, antes que ele possa falar qualquer coisa. Suspirando derrotada por ter jurado que o quarto estaria vazio; tranco a porta e me viro, olhando na sua direção. Minhas sobrancelhas acabam se erguendo em surpresa assim que o percebo dormindo. Faz muito tempo — tanto que nem me lembro quanto — desde a última vez que o vi dormir. Geralmente quando vou dormir ele ainda está acordado e quando acordo, Sebastian também já está de pé, então observá-lo agora dormindo é quase que uma raridade. Por um segundo penso em me jogar na minha cama e aproveitar o momento para dormir também, porém assim que checo a hora no relógio; desisto da ideia por saber que se dormir agora mais tarde não conseguirei pegar no sono. Uma parte mais maligna de mim mesma me incentiva a fazer barulho, qualquer barulho, um bater de gavetas da cômoda, um livro caindo no chão, definitivamente qualquer coisa, para ele sentir na pele o que sinto, mas quando me lembro do porquê ele faz isso deixo de lado a ideia e me dirijo até minha cama. Me aconchego no colchão e pego o livro que estava lendo, o abrindo na página qual o marcador estava. Tento ler o parágrafo qual havia parado, mas como todas as outras vezes que lembro o porquê Sebastian arrisca sua bolsa aqui em Uepplen fazendo o que faz no nosso quarto; meus pensamentos se desviam para ele. Sem pensar muito olho na sua direção e tento imaginá-lo com aquela responsabilidade, mas não consigo. É estranho ser a única aqui que sabe do seu segredo e por mais que eu tente me convencer de que não me importo; sei que uma partezinha de mim mesma só aceitou essa sua proposta boba por saber o quanto ele precisa desse dinheiro, do quanto aquele serzinho precisa.

*

Depois de cansar de observá-lo dormindo, consigo voltar minha atenção para o livro e estou tão imersa na história que nem noto quando Sebastian acorda, a não ser — claro — quando o livro é arrancado das minhas mãos. No mesmo segundo o sorriso desaparece do meu rosto e meus olhos se fixam nos seus, um segundo antes de acabarem sendo puxados para o seu sorriso de covinhas.

— O que está lendo dessa vez, exemplo? — sua pergunta rouca soa como se fôssemos amigos a anos.

— Algo que não é da sua conta, agora me devolva — não peço, porque nunca funciona pedir algo a Sebastian, é semelhante, se não igual a pedir a um cachorro para miar.

— Só vou obedecer você quando chegarmos em Hartford, até lá abaixa a bola — Sebastian termina de ler do que o livro se trata e adota uma careta, jogando o exemplar de volta pra mim.

Seguro o livro de 'De Lukov, Com Amor', antes que ele pudesse acertar meu peito e ergo uma das sobrancelhas para Sebastian.

— Sempre rouba coisas de garotas? Ou é só de vez em quando? — o questiono e por alguma razão Sebastian empurra sem cuidado algum minhas pernas para o lado, se sentando no espaço, agora livre da minha cama, que range com todo seu peso.

— Daqui a alguns anos, espero que a minha filha seja igual a você; uma garota exemplar, que fica lendo ao invés de sair por aí pegando os caras — seu comentário recheado de sentimentalismo me faz rir com o nariz.

— E eu espero que até lá já tenham proibido pessoas como você de ter filhos — o empurro com os pés, ou tento, já que Sebastian os segura e me envia aquele seu sorriso diabólico, qual só revela uma covinha e que consegue ser tão perfeito quanto o qual as duas aparecem — Carter.

O envio um único aviso, mas como sempre; ele ignora e começa a fazer cosquinhas nos meus pés. Meu corpo me trai e começa a ter espasmos alegres, ainda que eu queira atacá-lo, com meus próprios dentes. Algumas risadas se misturam com meus gritos, conforme tento soltar meus pés e no processo acabo deixando meu livro cair. Não demora muito para escutar a sua risada se misturar com a minha e só quando ele me solta; que dobro os joelhos sob o colchão, abraçando minhas pernas, para garantir que elas ficariam longe dele.

— Não teve graça! E não faça mais isso — tento soar o mais séria que consigo no momento, o que não é lá muita coisa, para que ele entenda que não gostei da sua brincadeira e Sebastian continua sorrindo, enquanto se levanta.

— Se não teve graça, por que está sorrindo? — é uma boa pergunta, trabalho para converter isso — Gostou dos meus toques?

— Nem nos seus melhores sonhos, aprendiz — apesar dele se virar e ir até sua mesa recheada de artefatos seus, mantenho meu olhar fixo nos músculos das suas costas.

— Aprendiz? — a única palavra deixa seus lábios com rispidez o suficiente para amedrontar qualquer pessoa... Qualquer pessoa que não fosse eu.

Meu sorriso triunfante, por ter conseguido tirar a confiança dele, se enfraquece no segundo que algumas batidas soam na porta. Não, não, não. Sebastian, ainda com o semblante de poucos amigos, olha na direção de onde estava vindo as batidas e solta o ar terminando de ajeitar as suas coisas sobre a mesa. Logo ele caminha em direção a porta e a abre, enquanto me inclino pegando o livro do chão. Não preciso olhar na direção deles para saber que o cliente da vez é um homem, porque o cumprimento alto que eles fazem me diz que pelo menos dessa vez não teria gemidos forçados, nem cantadas a torta e a direita em vozes afinadas demais. E esse simples detalhe me faz ficar um pouquinho aliviada. Volto a abrir o livro e tento fingir que estou sozinha no quarto. Uma tentativa que funciona, até o barulhinho da máquina surgir. Olho rapidamente para o relógio, checando que horas eram, antes de voltar minha atenção para a página, na intenção de retornar a leitura.

*

Sebastian fecha a porta, assim que seu cliente a atravessa, sem se preocupar em se despedir. Mais educado impossível. Olho de relance para o relógio, checando o horário. 10pm. Ele levou 5 horas dessa vez. Interessante. Um movimento seu atrai minha atenção e passo a observar Sebastian, ainda parado em frente a porta, massageando os músculos do seu pescoço e ombro. Apesar de não ter visto o trabalho finalizado, sei que foi um desenho grande e complexo, porque sempre que me pegava o encarando; Sebastian estava dando atenção para uma nova parte do desenho na pele do cara. Sempre focado demais, como se mal estivesse respirando. E ainda assim é estranho ele ter levado mais de 3 horas... Assim que o percebo começar a se virar, volto meus olhos para o livro e finjo estar interessada na história. Sebastian caminha até o seu canto do quarto e começa o ritual de desmontagem e limpeza de cada peçinha. Sem que eu perceba, estou deixando a leitura de lado novamente, focando nos traços desenhados nos seus músculos do braço, hoje a mostra por conta da camisa de manga curta. Fico uns instantes a mais que o normal presa na fumaça disforme que se transforma em um tipo de pássaro, cobrindo mais da metade do seu braço direito, desviando minha atenção apenas quando ele se vira e deixa a mostra seu braço esquerdo tatuado com algumas correntes, engrenagens e folhas, mas apenas até o cotovelo, mantendo a outra parte do braço sem um pingo de tinta. Pra mim é curioso ele não ter tatuado essa parte do braço, quando tem tatuagens até na nuca. Quer dizer é claro que essa é uma pergunta que eu poderia facilmente fazê-la, mas isso significaria mostrar interesse e nunca vou admitir estar interessa em algo seu. Mesmo que esse algo seja um detalhe tão bobo quanto uma tatuagem, ou melhor a falta dela. Sebastian se vira de costas pra mim e se agacha começando a amassar alguns papéis filme e nessa sua tarefa consigo a visão da sua tatuagem na nuca. Um desenho de uma água viva cheia de detalhes, com os tentáculos se estendendo por todo início das suas costas. Ainda que eu não goste de admitir pra mim mesma; sou secretamente viciada nessa sua tatuagem e na forma como ela é delicada na medida certa, brincando entre traços finos, médios, grossos e sombras que dão a impressão do bicho ser de uma dimensão pertencente à Sebastian, quase que como se fosse uma espécie única. Todos esses pensamentos bobos me lembram do porquê odeio gostar dessa sua tatuagem e me fazem revirar os olhos, voltando meu olhar para o livro. Quando ele termina de arrumar tudo, já são quase 11pm e consigo ler só mais algumas páginas, antes dos meus olhos começarem a pesar. Lembro que de algum momento fechá-los para descansar a visão um pouco, mas não lembro de abri-los. Na verdade, depois de ter fechado os olhos, só consigo ter recordações tênues de alguém tirando o livro das minhas mãos e me cobrindo.

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