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A semana passa voando e as etapas finais do concurso passam a serem mais estendidas, o que — confesso — que passa a me incomodar e muito, principalmente quando essas horas maçantes começam a impedir a gente de aproveitar o novo acordo que fizemos. No entanto, parte de mim mesma entende que nem tudo se resume a donuts, água e sexo. Por isso decido procurar por alguma coisa para fazer num dia que o concurso foi adiado algumas horas por conta de um participante finalista ter abusado um pouco da cocaína e estar voltando do hospital, que curiosamente só existe na cidade vizinha. Sebastian e Rony queriam que ele fosse eliminado, algo alegando falta de responsabilidade, mas os juízes insistiram que poderiam esperar até a noite. E é claro que eles podem esperar o tempo que quiserem, aposto que esse evento está sendo a única coisa de interessante nos últimos meses — talvez anos — de vida de cada um deles. Quando encontro um antigo sebo, nem tão longe de onde estamos ficando vou contra todas as regras universais que envolvem a mim e Sebastian; e o convido para me acompanhar. Ele à princípio é contra a ideia de — segundo o próprio; — "perder tempo com poeira e livros velhos", mas quando aponto que ele perde tempo com coisas muito piores, como dar em cima de mais de uma garota ao mesmo tempo nas festas, ele decide me acompanhar, caso eu aceite ir em um lugar com ele logo em seguida. E mesmo que tudo gritasse "não", acabo escutando a partezinha mais curiosa de mim mesma e aceito sua condição. Batemos boca sobre ele querer usar o suéter combinando com o vestido roxo que acabei colocando por estar acabando minhas roupas limpas e no fim não consigo convencê-lo a vestir qualquer outra coisa sua mais sombria e escura. Saímos com as roupas combinando, de novo.

E mesmo que a ideia de ir de moto a um lugar há exatos 13 minutos de distância soasse ridícula, acabo montando na sua garupa quando ele jura que o lugar que iremos depois do sebo não é nem um pouco perto. E não sei dizer ao certo o porquê, mas dessa vez, subir na sua moto, colocar o capacete — sem a sua ajuda — e abraçá-lo enquanto sinto o vento produzir aquele ar de liberdade, sem sentir medo soa quase que natural agora. É, estamos mesmo mandando bem nisso de fingir estarmos juntos. Hum, que sejamos os melhores fingidores então. Pensar nisso me faz sorrir embaixo do capacete e espalmo minhas mãos na sua barriga sob o suéter, o sentindo contrair a cada centímetro que o acariciava. É bom saber que apesar de não ser na mesma proporção; também tenho efeito sobre ele.

Sebastian não demora para estacionar sua moto em frente à um padrão de prédios com três andares, tomando conta da calçada quase não existente, cada um mais precário que o outro e só consigo identificar o sebo por conta dos livros amarelados na janela de um deles. Retiro o capacete e continuo observando o lugar, enquanto Sebastian desligava a moto.

— Disse que não valia a pena — sua voz quebra a magia e me faz encara-lo.

— Cala boca, ele parece perfeito pra sua informação — o entrego o capacete e Sebastian sorri seu sorriso verdadeiro.

Entramos no prédio que anuncia nossa chegada com um sino enferrujado sobre a porta e o cheiro inconfundível de páginas de livro — e talvez um pouco de umidade — fazem um sorriso surgir no meu rosto. Acho que tirando a biblioteca do campus, nunca vi tantos livros juntos assim. Como uma criança em um parquinho; corro até uma das prateleiras e começo a correr os olhos nas lombadas dos livros, tocando algumas conforme ia descobrindo novas obras, título após título e mesmo que a grande maioria dos exemplares sejam de algumas décadas atrás; me pego retirando da prateleira alguns, me perdendo totalmente nas sinopses de cada um dos livros. No fim, nem percebo a hora passar e só sou puxada de volta ao mundo real novamente quando um barulho repetitivo soa mais próximo e aos poucos percebo que na verdade o barulho era uma voz e essa voz era a de Sebastian. Levanto o olhar da página que estava lendo e encontro com meu colega de quarto me observando de braços cruzados, com o suéter roxo desconstruindo toda a sua "seriedade".

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