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No dia seguinte retorno às aulas — escutando com consciência pesada o professora dizer que achava que eu havia desistido do curso — e tento pegar toda a ementa que foi passada durante esses dias para estudar. Uma forma de ocupar a cabeça. O que em parte acaba funcionando, mas por mais que eu odiasse admitir, todo segundo meus olhos se desviavam para o celular, checando se não havia nenhuma mensagem nova. Ocupo meu tempo entre leituras e tarefas não feitas até receber uma ligação e o visor identificar "Ash", não "Carter". De qualquer forma dou uma pausa nos estudos e atendo a ligação, aceitando incerta o convite de Ash para acompanhá-la em um jogo dos Uepplen Hare's que seu namorado insistiu para que ela fosse ver. Às vezes esqueço que Brandon faz parte dos lebres, jogadores de futebol americano da universidade.

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Mesmo sendo meio da semana, a arquibancada está lotada, como esperado. Em todos os lados há rostos pintados, alguns com o desenho lembrando uma lebre, outros com o U da nossa universidade e a energia eufórica que percorre todo o estádio é revigorante, porque por um tempo, tudo que importa é o jogo. Conseguimos dois lugares em uma fileira mais afastada e acomodamos nossas pipocas e refrigerantes no nosso colo. Assim que os jogadores entram em campo, Ash se levanta e grita elogios para seu namorado, ainda que ele esteja longe demais para conseguir escutar. Sorrindo, meus olhos encontram com o nome de Brandon estampado nas suas costas, rodeado de corações feitos a caneta. Acho tão linda a forma de amar deles. É leve e simples, como todo amor deveria ser. Minha melhor amiga só volta a se sentar quando as líderes de torcida iniciam sua apresentação, dando a entender que logo logo o jogo iria começar.

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Gritamos e jogamos pipoca até a partida finalizar com os lebres vencendo depois de mais de um mês sem uma vitória. A sensação dos gritos e dos abraços eufóricos é extremamente única, porque quando os garotos no gramado vencem, Uepplen toda vence. Depois do que parece uma eternidade conseguimos sair da fileira do banco que estávamos e a acompanho até o gramado, para Ash parabenizar Brandon como só ela sabe fazer. Os observo, mesmo suados se abraçarem felizes. E pela primeira vez fico desconfortável por vê-los se beijando. Transfiro minha atenção para meus pés e aproximo as sobrancelhas. Conheço Ash e Brandon a muito tempo, eles namoram a muito tempo, antes mesmo de entrarmos em Uepplen, mas pela primeira vez, sinto algo estranho em ver os dois juntos, como se uma parte mais boba minha estivesse com... Ciúmes. Descarto a possibilidade tão rápido quanto ela surgiu, até porque não há razão para ter ciúmes deles, não é como se eu tivesse alguém. "Tivesse"... Talvez você quis dizer "quisesse", não acha? meus pensamentos me provocam e luto internamente comigo mesma para não resmungar como uma criança.

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Só quando chego em frente a porta do nosso quarto, que me lembro que dia era hoje. Apesar de ter passado o dia praticamente inteiro com seu nome assombrando meus pensamentos, perceber que durante essas últimas horas de jogo esqueci por completo o que estaria acontecendo hoje me causa uma sensação de culpa, que não leva mais que alguns segundos para desaparecer. Entro no cômodo chaveando a porta e estou retirando minha chave da maçaneta, quando sinto seu perfume forte preencher o quarto. Uma fragrância enlouquecedora com cheiro de chuva, folhas, canela. Ótimo, estou ficando louca, como todas as outras personagens dos livros que já li. Respiro fundo e vou em direção a cômoda ao meu lado do quarto abrindo uma das gavetas. De dentro de uma das gavetas retiro um pouco de algodão, na esperança de conseguir retirar o U preto desenhado na minha bochecha, sem precisar de nenhum tipo de produto altamente avançado, como um demaquilante, ou água. Subo meus olhos para o espelho pequeno e redondo que havia ficado no quarto dos estudantes passado e começo a esfregar o algodão na bochecha. Só paro de tentar limpar a tinta da minha pele quando escuto um barulho vindo do seu lado do quarto.

— Se tu vens, por exemplo — como se estivessem escondidos em cada cantinho do meu corpo, apenas esperando por ele, ou melhor por ouvir sua maldita voz pronunciando meu apelido dentro da famosa frase; toda aquela descarga em alta voltagem retorna, com mais força do que esperava, desestabilizando tudo e tão rápido que sequer consigo reagir enquanto meus olhos notam Sebastian se colocando atrás de mim pelo reflexo — Às quatro da tarde, desde às três eu começarei a ser feliz — fecho os olhos sentindo já todo seu calor, ainda que ele sequer tenha de fato encostado em mim — Comecei a ser feliz desde as 6pm, exemplo.

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