26.

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Apesar da viseira fechada, sinto como o vento dança ao nosso redor, em cada rua que Sebastian ousa acelerar e mesmo que parte de mim ainda queira gritar para que ele vá devagar; outra, uma que estou começando a me familiarizar, apenas quer aproveitar a sensação. Na verdade, ela aproveita cada segundo, até entrarmos no estacionamento de um estabelecimento com um waffle gigante como mascote. Desço da moto com a sua ajuda e retiro o capacete encarando o alimento com olhos e boca gigantes que atrairia a atenção de qualquer criança, mas que para alguém da minha idade não vai classificar como algo legal e sim estranho. Ao ponto de me fazer querer rir. De medo. Sebastian pega o capacete das minhas mãos e logo em seguida une seus dedos aos meus, me puxando para a entrada da lanchonete. Meus olhos acabam caindo nas nossas mãos juntas e automaticamente respiro fundo. Tudo bem que ainda estamos em Hartford, mas aposto que não deve ter ninguém daquele covil de ratinhos tatuados aqui, então por que ele está fazendo isso? Antes que eu pudesse chegar a qualquer resposta; Sebastian empurra a porta de vidro e no mesmo segundo uma maré de sons diferentes explode. O cheiro indescritível de melado e café preto surge, entre as risadas e as conversas altas demais, cada um dos gritos dos cozinheiros anunciando um novo pedido pronto faz com que mais movimento surja, a música vinda da jukebox infiltrada por debaixo das vozes é só um detalhe, mas ainda assim é algo e é exatamente nessa mistura insana que Sebastian adota um sorriso novo na sua coleção, porque nele não identifico ironia, nem travessura, muito menos egocentrismo puro... Pra ser honesta, esse seu sorriso está me remetido a um de nostalgia, tal qual quando escutamos uma música que há anos não escutamos mais. E mesmo depois de anos ainda sabemos a letra inteira. Observar como Sebastian está olhando para cada cantinho do estabelecimento me dá a impressão de que ao invés da letra, ele na verdade conseguiria desenhar a planta arquiteta desse lugar de olhos fechados.

Depois de alguns minutos, meu colega de quarto deixa de apenas observar o lugar e libera a passagem, entrando de vez no local. Passamos quase que espremidos por uma fila, qual não sei ao certo pra que era, contornando um labirinto de mesas até acharmos uma vazia, o que pareceu ser algo impossível, mas logo entendo o porque dela estar desocupada, assim que me sento e o sol forte mal me permite deixar os olhos abertos.

— Gostou do lugar? — escuto a sua pergunta um tanto quanto abafada, ainda que ele esteja sentado a minha frente, por conta das conversas.

— Tenho sérias dúvidas em relação à capacidade máxima de pessoas que esse estabelecimento comporta — resmungo e olho ao arredor, encarando um cara de meia tonelada aplicar um mata leão em um menino magrelo de no máximo 12 anos de idade e só desvio o olhar quando o garoto mostra seus dentes em um rosnar animal — Mas é um lugar "Ok", eu acho.

— Estamos em um restaurante no interior de Hartford, exemplo — Sebastian aproxima pouca coisa suas sobrancelhas — Não em um ônibus para ter capacidade máxima — ele adota uma careta como se estivesse com a razão e me faz rir com o nariz.

— Que irônico, não estamos em um ônibus, mas o aperto é tão real quanto — me mexo na cadeira colada na parede para dar ênfase no que estou dizendo e levo uma mão até meus olhos, em uma tentativa de cobri-los do sol.

— A lanchonete de Uepplen em dia de jogo é pior.

— Você tem um ponto — e ele realmente tem, porque apesar dessa lanchonete estar lotada, a de Uepplen é menor que esse estabelecimento e ainda assim lota igual — Mas... — não dou o braço a torcer e minha única palavra é o suficiente para fazer com que um sorriso com covinhas surja no rosto de Sebastian, quase como se ele estivesse esperando essa minha contestação — Pelo menos lá em Uepplen não parecemos loucos vindos do Texas.

— Algo contra os texanos, exemplo? — seus olhos percorrem meu rosto sem pressa, como se me estudassem.

— Nada contra — o respondo com sinceridade e dou de ombros.

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