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É extremamente fácil enganar quem já se engana sozinho. E aposto com quem quiser que é nesse pensamento, ou em algum parecido que Sebastian vem desfrutando nesses últimos dias, já que desde a noite que exploramos? Um ao outro na festa, com línguas e tudo mais, todas as coisas que precisamos fazer para continuar com essa mentira agora parece menos estranho e extremamente mais fácil... Quase como se não precisássemos mais fingir. Pensar nisso me faz fechar o livro que estou lendo e respirar fundo. Discretamente olho, por dentre as pessoas mais próximas à si, Sebastian produzindo outra tatuagem. Hoje é o 6º dia de competição e não consigo encontrar uma palavra para descrevê-lo, principalmente quando ele começou comigo abraçada novamente em si quando acordamos. Entretanto se tivesse sido só isso seria aceitável, porque é fácil convencer a qualquer um — principalmente a mim mesma — que só o abracei porque pensei que ele fosse algum tipo de ursinho de pelúcia gigante e com músculos. Ou até mesmo que ontem, quando apesar de termos milhares de motivos para fazer qualquer outra coisa, quando voltamos da festa, a opção que escolhemos logo de cara; cair no colchão rindo foi por pura influência do álcool no nosso sangue. E as lembranças que tenho de ter pego no sono observando o contorno do seu sorriso também existe desculpas fáceis a se convencer, ainda que nesse momento eu não encontre nenhuma. No entanto, o jeito que Sebastian me beijou hoje mais cedo, no segundo que fui sair do quarto pela manhã é algo que ainda está me cutucando como uma tortura com milhares de agulhas, porque para isso não existe desculpas convincentes, afinal não estávamos mais sob o efeito do álcool e me lembro da noite passada. Lembro de tudo que fizemos, só não pensei que ele fosse querer lembrar também. Como se me sentisse o observando; Sebastian para de tatuar a serpente no pescoço do cara e olha na minha direção, sustentando meu olhar. Receber sua atenção, mesmo tendo milhares de pessoas ao nosso redor; faz com que algo dentro de mim vibre, algo muito bobo pelo visto. O envio meu pior sorriso e recebo um dos seus mais diabólicos, cheio de lembranças. Inquieta olho brevemente para as pessoas ao nosso redor, para checar se elas estão entendendo o que seu sorriso e olhos travessos estão falando sem precisarem pronunciar qualquer palavra e quando noto que todo mundo está apenas o esperando continuar; volto minha atenção para Sebastian. Queria tanto saber como é ser emocional e racional ao mesmo tempo para conseguir entrar nisso sem me sentir culpada ou idiota demais. Porque é exatamente assim que me senti hoje pela manhã lembrando de cada uma das vezes que não só deixei com que ele aproximasse seus lábios dos meus, mas também em como sentia que queria pra caramba aquelas aproximações, como se cada uma delas sustentassem uma parte minha que até então nunca conheci. Essa mesma parte que não a abomino por completo, porque por mais errado que tenha sido; foi... Diferente saber como é ser imprudente, saber como Sebastian é realmente muito bom no que diz ser. Um diferente bom. Sem que eu percebesse, um sorriso intruso surge no meu rosto, enquanto abro o livro e volto a missão de tentar ignorar todos os meus pensamentos e o barulhinho irritante da sua maquininha.

*

No fim do dia, meu colega de quarto finaliza sua 4º tatuagem e entra num novo recorde de si mesmo dentro desses dias de competições, onde seu máximo até então era de 3 tatuagens. Esperamos os jurados eliminarem um cara que sequer estava presente no salão quando seu nome é anunciado e por estar ao lado de Sebastian, escuto os elogios que ele recebe de alguns outros participantes que passam pela gente. O que não é para menos. Ainda estou encarando a flor recheada de realismo que Sebastian produziu no braço de um dos caras. É engraçado como quanto mais o vejo produzir suas tatuagens mais me surpreendo, mesmo sabendo que ele é muito bom no que faz.

— Está quieta hoje, amor — lembrar de como estávamos próximos a última vez que ele me chamou por esse apelido é o suficiente para me fazer respirar fundo.

— Estou tentando decidir — o respondo sem olhá-lo.

— Decidir? — Sebastian desconsidera minha opção de não encará-lo e se coloca à minha frente, mexendo na minha franja a ajeitando, ou brincando com ela, nunca sei — O que exatamente?

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