Não demora muito para descobrirmos que logo hoje — quando tivemos nosso tempo resumido a quase nada; — a agulha do dia era a M2. E pela primeira vez em todos esses meses que estamos "juntos", presencio Sebastian erra um traço. Chego a ficar alguns minutos encarando o desenho escuro na pele do cara, em busca de algum erro grotesco, mas não encontro nenhuma risca maior que a outra, ou até mesmo torta, assim como nenhuma outra pessoa ao nosso redor. O que me leva a pensar que talvez seu erro tenha sido mais algo técnico que visual, se é que é possível acontecer isso e pela forma como ninguém inicia uma leva de cochichos, entendo que fui a única a notar esse seu erro. E só percebi esse seu deslize apenas por conta dos segundos a mais que meu colega de quarto levou com a agulha da maquininha longe da pele do cara e a forma como o vinco entre as suas sobrancelhas se afundou mais. Estarei mentindo se disser que uma parte de mim mesma não fica aliviada por ninguém notar seu erro, assim como outra parte não fica nervosa com a possibilidade dos jurados o perceberem.
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Próximo às 2am, os resultados são divulgados. Passamos para a próxima fase do concurso pela diferença de 1 mísero ponto e se os jurados notaram o erro de Sebastian, optaram por não falar nada a respeito. Não lembro quando foi a última vez que fiquei tão aliviada com o resultado de algo, talvez tenha sido quando recebi minha carta de aceitação em Uepplen, no entanto nem mesmo naquele dia o suspiro que deixei escapar foi tão honesto quanto hoje. Movida completamente pela emoção de Sebastian ter conseguido passar dessa fase, mesmo com uma agulha que ele nunca tinha manejado antes e com a pressão de um espaço de horas reduzido; fico na ponta dos pés e o puxo para, à princípio, um abraço, porém quando me dou conta nossas bocas se encontram em alguns beijos rápidos e sorridentes. Ignorando os olhares, sinto seu corpo soltar o ar que estava trancando esse tempo todo, tão aliviado quanto eu, antes de envolver seus braços ao meu redor, em um aperto singelo. Meu colega de quarto esconde seu rosto na divisa do meu pescoço e maxilar, me permitindo sentir o seu sorriso contra minha pele dessa vez. Reconhecer o calor das nossas energias que antes sempre entravam em curto circuito a mínima aproximação, me faz respirar fundo com medo do caminho que estamos seguindo, mas sem coragem de voltar atrás. Porque não é a composição desse sentimento que me assusta, mas sim o impacto dele, já que nunca se é falado do meteoro em si, mas sim da sua colisão. E Sebastian está tomando cada vez mais velocidade.
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No dia seguinte estou sentada na cama, chegando na página 100 do livro que havia pego do sebo na tarde de ontem, quando escuto batidas na porta. A princípio penso ter sido um engano, alguém que errou o número do quarto, mas logo as batidas voltam em um ritmo mais impaciente e me fazem suspirar. Deixo o livro de lado e caminho até a porta, a destrancando e a abrindo.
— Esqueceu a sua chave? — questiono pensando que fosse Sebastian do outro lado, mas assim que vejo os traços deprimentes do mesmo homem que arrumou confusão naquele dia; respiro fundo.
— Você ainda por aqui anjo? — seu hálito exalando o odor da mistura de álcool com tabaco me faz assumir uma careta — A essa otura' pensei que já tivesse corrido pra bem, bem longe — ele erra uma palavra e se aproxima, encostando um braço no batente da porta, fazendo com que seu cheiro fique desagradavelmente pior — Espere! Espere! — o pai de Sebastian me impede de fechar a porta, batendo com a mão, que segurava a garrafa de whisky pelo fim, na porta — Calma, anjinho — um sorriso que ao mesmo tempo lembra o de Sebastian e se diferencia totalmente do dele surge no rosto do homem com barba por fazer — Podemos, hum, trocar umas palavrinhas?
— Não — consigo soar o mais séria possível, ainda que o aviso que Sebastian fez naquele dia sobre ter cuidado com seu pai esteja desregulando minha respiração um pouco — Me dê licença, por favor.
— Vamos, anjinho — mesmo que eu tenha me afastado, a ponta dos seus dedos conseguem raspar em uma mecha do meu cabelo — Só quero igualar o jogo.
— Igualar o jogo? — a parte mais boba e curiosa de mim mesma pronuncia a pergunta antes de pensar a respeito e de canto de olho vejo a figura de Zach se aproximando sem pressa alguma, como se estivesse mais interessado em escutar o que estava acontecendo, que de fato me ajudar.
No entanto, ainda assim saber que não estou mais sozinha com o pai de Sebastian me tranquiliza um pouco.
— Ele pegou algo que era meu, brincou com ela, agora vou fazer o mesmo — minha atenção retorna ao homem bêbado assim que as palavras recheadas de raiva deixam seus lábios acompanhadas de pequenos cuspes — E você nem é tão ruinzinha assim — seus olhos caem, começando a analisar meu corpo de uma forma repugnante e antes que eu pudesse falar qualquer coisa; o homem começa a cortar o pouco espaço que restava entre nós, fazendo meu estômago embrulhar.
— Ei, vamos — a mão de Zach surge, segurando no ombro do cara e logo em seguida seu corpo faz presença ao lado do pai de Sebastian — Lembra do que conversamos? — o cara transfere sua atenção para Zach e parte daquela sombra nojenta que estava vindo de si antes dá lugar a um sorriso amarelo.
— Claro! Claro! Sim! — o homem mais velho pronuncia como se estivesse se lembrando de um sonho e passa o braço ao redor do pescoço de Zach o oferecendo a garrafa, que é recusada pelo mais novo — Isso mesmo garoto! Continue assim, sendo um bom garoto — o pai de Sebastian o elogia e Zach umedece os lábios quase como se estivesse tentando impedir um sorriso.
Seus olhos familiares veem de encontro aos meus e Zach apenas acena com a cabeça, antes de carregar o homem fedendo em direção a escada. Só quando não consigo mais vê-los que afrouxo o aperto na maçaneta do quarto e noto que esse tempo todo estava a segurando com força, quase como se meu corpo não quisesse, de forma alguma, deixar que o pai de Sebastian pisasse dentro do nosso quarto. Independente do que fosse acontecer. Respirando fundo volto para dentro do quarto e tranco a porta, antes de retornar ao colchão. Pego o livro que estava lendo e por mais que tentasse, não consigo ler uma frase inteira se quer, porque toda hora meus olhos desviavam para a porta, como se quisessem ter a certeza de que ela estava mesmo trancada.
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Sebastian chega alguns minutos depois, com um saco cheio de mini donuts e dois copos de chá gelado. Faço de tudo para disfarçar a preocupação que havia me rodeado antes, assumindo um sorriso que sei, sem sequer precisar ver que não é lá um dos meus melhores. Tentando esquecer o que aconteceu; finjo abraçá-lo, como se estivesse prestes a agradecê-lo, porém assim que ele abre pouca coisas seus braços roubo o saco dos donuts da sua mão e corro até o colchão. Os olhos de Sebastian deixam de fitarem seus dedos que antes seguravam o saco de donuts, para me observar de um jeito enigmático. Aos poucos o seu sorriso de número 2 surge no seu rosto, deixando tão claro seus próximos passos que sou mais rápida escondendo o saco atrás das costas, do que ele largando os chás, subindo na cama e começando a fazer cosquinhas nas minhas cinturas, a fim de vencer essa guerra.
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Em Cada Traço
RomantizmQuincie Wyne não vê a hora de terminar a sua faculdade em odontologia, por um único motivo; voltar a ler e estudar sem a presença do seu detestável colega de quarto, qual sua única missão consiste em tirar o sono, a paz e a tranquilidade dela, atend...