31.

372 42 2
                                    

Chegamos no prédio e Sebastian parece não perceber as caretas que estou vendo todos nos enviarem, como se fôssemos algum tipo de monstro. Tudo bem que com essas roupas, no meio desse mar de gente que veste preto e cinza dos pés a cabeça é aceitável estarmos se destacando um pouco. Mas ainda são só roupas. Cada um dos olhares que noto no decote do meu vestido faz com que minhas sobrancelhas se aproximem um pouco e eu leve minha mão livre até o tecido, tentando ajustá-lo de alguma forma. Em algum momento desisto e passo a me ocupar tentando encarar as tatuagens sendo feitas em cada uma das cadeiras, para tentar visualizar a forma de como será a etapa de hoje. Nos últimos quatro dias, as longas — e praticamente — infinitas horas que passei sentada nesse salão, percebi que todo dia os competidores traçam riscas e manejos diferentes conforme as etapas iam avançando. Ontem, por exemplo, foram desenhos com sombras praticamente invisíveis, mas que segundo Sebastian se elas não estivessem presente mudariam completamente o resultado final do trabalho. Pelo pouco que consegui ver; parece que hoje estão trabalhando com traços mais grossos. Adoto uma careta ao ver uma tatuagem de um corpo feminino de biquíni de trás sendo feita no bíceps de um cara, não só pela sexualização ali presente, mas sim também porque o desenho realmente parece ter sido produzido por uma criança de 5 anos. Finalmente paramos em uma cadeira vazia, um tanto quanto afastada do alvoroço presente mais na entrada do lugar e Sebastian antes de soltar minha mão; puxa o banquinho que nos últimos dias notei que era um banquinho para ele sentar enquanto está produzindo a tatuagem, para não precisar ficar com as costas curvas por tanto tempo. Não para mim.

— Pode ficar aqui, vou guardar isso no nosso quarto e pegar minhas coisas — ignoro o arrepio que toma meu corpo assim que o escuto pronunciar; "nosso quarto" e Sebastian pega a sacola com nossas roupas sujas da minha mão, soltando a outra que estava entrelaçada a sua — Quer que eu pegue algo para você?

— Meu livro, está na... — até tento pronunciar o pedido, conforme me sento no banquinho duro, mas antes que pudesse terminar; sou interrompida.

— Primeira gaveta da mini cômoda do seu lado da cama, eu sei — Sebastian resmunga exatamente a mesma coisa que eu iria dizer, enquanto abre um compartimento pequeno na parte debaixo da cadeira, retirando dali de dentro um rolo de plástico transparente.

— Andou vasculhando as minhas coisas? — aproximo as sobrancelhas, ainda que ele não esteja de fato me encarando por, no momento, estar mais que interessado no rolo de plástico, o observando de perto e de vários ângulos — Por que está olhando assim para um rolo de plástico?

— Você sempre guarda os livros que está lendo na primeira gaveta, tanto aqui, como lá em Uepplen e quanto ao plástico, estou querendo ver se vai dar até o final do dia — Sebastian finalmente deixa de encarar o rolo e olha na minha direção — É, pelo visto não vai dar.

— Impressionante — ironizo e o moreno adota um sorriso com uma só covinha.

— Consegue passar o plástico na cadeira? — antes que eu o respondesse; meu colega de quarto me entrega o rolo de plástico — Já volto, amor — Sebastian pronuncia o maldito apelido e beija o topo da minha cabeça, antes de se afastar.

Observo sua silhueta se distanciar a cada passada cumprida sua e aperto o rolo de plástico transparente entre minhas mãos. Eu o odeio. Com todas as minhas forç... Meu pensamento — ou mentira, tanto faz — é interrompido com um coral de risadas. Olho na direção do som encarando Lindsey, Claire e para minha supresa; Zach compartilhando uma garrafa de cerveja num canto nem tão afastados de onde estou. Observo Lindsey falar algo e logo em seguida envolver Zach em um abraço próximo demais, para descartar a ideia deles terem acabado de se conhecer. E por algum motivo, saber que Zach participa do mesmo círculo de amizades das duas me deixa desconfortável. Desvio meu olhar e encaro o rolo me lembrando do dia que conheci Zach e ele disse que nunca tinha participado ou vindo aqui antes. Olho uma última vez para os três e agora seus braços também estão envolta do corpo de Claire. Talvez seja porque ele realmente nunca tenha vindo aqui e esteja conhecendo elas agora, afinal elas não precisam de mais que algumas palavras para ficarem trocando abraços, meus pensamentos ressaltam um bom ponto, mas por mais bobo que pareça, não consigo acreditar nisso. Deixando de lado o desconforto; começo a fazer o "favor" que Sebastian havia pedido, me atrapalhando um pouco no começo, mas logo me lembro de como ele fazia, então só tento replicar suas técnicas. Depois de alguns metros de plástico passados, acabo me distraindo tanto na missão de envelopar a cadeira que assim que acabo; encaro a mesinha de suporte qual sei que ele também vai envelopar. Umedecendo os lábios encaro o rolo com o que penso ter o suficiente de plástico transparente ainda e — mesmo que eu não admita — levemente empolgada começo a envelopar a mesa também. Estou terminando o meu trabalho quando escuto a voz de Sebastian.

Em Cada Traço Onde histórias criam vida. Descubra agora