38.

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— Vai embora — Sebastian não sugere, sequer pede, apenas rosna, personificando toda sua raiva em apenas duas palavras, antes de qualquer cumprimento.

Essas mesmas duas palavras que me fazem engolir no seco, voltando a tentar enxergar quem é a pessoa a sua frente, mas como antes, seu corpo continua encobrindo seja lá quem for. Apuro minha audição para escutar a resposta que a pessoa resmunga para Sebastian, mas tudo que consigo escutar é o som baixo de resmungos, nada que se ligue de fato a palavras reais.

— Não vou mandar você ir embora de novo — Sebastian rosna e dessa vez seus dedos deixam de apertarem a maçaneta, apenas e somente para presentear a madeira da porta com um soco.

Por não estar esperando esse seu gesto, acabo tomando um susto. E ao invés de me manter longe, essa sua reação me faz tirar os pés de cima da cama, descendo dela com pressa, caminhando até Sebastian. Agora bem mais próxima a eles; consigo escutar a voz masculina e arrastada o respondendo com um; "Nem um abraço no seu velho antes?", que faz meus pés fincarem como uma âncora no chão. Tudo que Sebastian falou sobre seu pai ressurge em uma onda gigantesca que inunda com agilidade minha cabeça e faz com que alertas vermelhos apareçam. Sinto todos os músculos do meu corpo tensionarem assim como os de Sebastian, mas sei que não há qualquer tipo de comparação, principalmente quando só sei uma parte dessa história. Nunca a vivi. Perto o suficiente, apoio minha mão nas suas costas e sussurro um; "Carter" baixo, sem saber ao certo o porque, mas não baixo o suficiente para não chamar a atenção do homem a sua frente, que empurra sem medo algum o braço de Sebastian qual me escondia, erguendo as sobrancelhas assim que seus olhos encontram comigo.

— Olha só o que temos aqui — um sorriso amarelo com as mesmas covinhas que residem em Sebastian aparece no seu rosto, mas esse seu sorriso não me causa arrepios bons, na verdade vê-lo só faz com que os alertas vermelhos tomem mais intensidade, quase como se gritassem — Uma bonequinha — o homem com a barba por fazer e roupas sujas desce seus olhos para meus peitos marcados no tecido da blusa — Por que não disse logo que estava ocupado brincando com uma bonequinha, garoto? — quero mandá-lo parar de me olhar como se eu fosse um pedaço de carne, mas pela primeira vez sinto... Medo, ou receio de como ele vai reagir, o que me faz cruzar os braços de uma maneira totalmente desconfortável na intenção de impedi-lo de continuar me observando daquela maneira — Não! Não! Não! Bonequinha não se envergonhe, pode abaixar... — ele faz menção de tocar nos meus braços, mas não chega de fato a encostar em mim, porque Sebastian interfere segurando na sua mão e a afasta sem cuidado algum.

— Não pense que vai encostar nela — é extremamente fácil para quem está vendo essa cena de fora pensar que Sebastian está imitando os sons ameaçadores que todo cão raivoso faz, quando na verdade ele só está garantindo que o cara a nossa frente entenda que não deve tocar em mim. Faço uma nota mental de agradecê-lo mais tarde.

— Vamos, garoto — o mesmo sorriso horrível aparece no seu rosto e o cara abre os braços, como se fosse a droga de um político — Não seria a primeira vez que dividimos a buceta de uma boneca, não é mesmo? — escuto e processo cada uma das palavras nojentas que deixam seus lábios, mas não são exatamente elas que me fazem sentir enjoada, nem mesmo seu bafo de cerveja, o que desencadeia isso na verdade é como Sebastian não nega.

Uma parte minha, sem qualquer tipo de permissão, lentamente transfere minha atenção para o meu colega de quarto, para não sei, talvez encontrar no seu olhar qualquer coisa que possa dizer que o que acabei de escutar não é real, porém Sebastian continua encarando seu pai com o seu habitual semblante sério. Respiro fundo e estou prestes a me afastar dessa tempestade que eles estão criando, quando sinto seus dedos segurarem meu pulso, em um aperto tão firme quanto necessitado, garantindo que eu não iria receber só os respingos finos dessa chuva, mas sim cada uma das gotas e raios. Meus olhos caem na sua mão — a mesma que até minutos atrás estava me fazendo sentir coisas indescritíveis em simples apertos, diferente de agora — segurando meu pulso em um aperto firme, e só sobem quando ele se vira, ficando de frente para mim. Seus olhos tão inexpressivos quanto todo o restante do seu corpo não se desviam dos meus, sequer ousam piscar conforme Sebastian sussurrava um; "Não é o que você está pensando", guiando seus dedos livres até os fios da minha franja, brincando com a mesma como se estivéssemos sozinhos de novo. E por um instante acredito nessa sensação, fechando os olhos e aproveitando cada micro arrepio que seu toque nos meus fios consegue produzir. Estou quase sorrindo quando o barulho rouco de alguém limpando a garganta faz com que todos os arrepios desapareçam, conforme volto a abrir os olhos.

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