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Demorei exatamente um dia para ir até a delegacia, utilizando o tempo máximo que os policiais conseguiriam segurar Logan na contenção provisória. E só precisei dessas 24h, não por estar em dúvida se fazia o boletim de ocorrência, mas sim porque não queria que Logan respondesse só ao que fez comigo. Queria que esse cara pagasse por cada um dos medos que perturbam Sebastian, porém convencê-lo a ir prestar todas as queixas não foi algo simples. Sebastian ficava insistindo que não iriam escutá-lo, principalmente porque ele não era mais uma criança e em contrapartida eu insistia que eles iriam ouvir, faríamos eles ouvirem. Pedi para que Sebastian me contasse tudo, todas as merdas que seu pai já havia feito, o que nos fez ficar mais de 5 horas sentados no colchão do quarto. E quanto mais escutava sobre tudo, mais entendia o porque do ciúmes de Zach, porquê para ele, Sebastian sempre conseguia tudo, porquê foi ele quem conseguiu a atenção do vizinho — que mais tarde descobri ser Rony — para ajudar com comida e roupas lavadas quando eram menores, foi ele quem entrou primeiro no mundo das tatuagens, foi ele quem conseguiu dinheiro pra sustenta-los primeiro e foi ele quem entrou pra faculdade, enquanto a carta de aceitação de Zach nunca havia chegado. E quando a história com a garota grávida veio à tona, Sebastian diz que Zach simplesmente decidiu que ele era o vilão, passando a apoiar completamente o pai deles, e ainda que eles não fossem filhos da mesma mãe, a forma como Zach passou a destratar o nome da mãe de Sebastian depois de tudo, só para afetá-lo fez com que qualquer laço que algum dia existiu entre eles acabasse, principalmente porque Sebastian jura que sua mãe cuidou e amou Zach desde o dia que a mãe biológica dele o largou com o pai deles e a outra família dele. A cada nova história que escutava sobre como Sebastian sempre tentava proteger Zach e a si mesmo quando eram menores e até mesmo depois quando já tinham idade para cuidar do seu próprio nariz; meus olhos se enchiam de lágrimas furiosas e toda vez que uma despencava Sebastian respirava fundo, e a colhia em toques gentis, toques que não combinavam consigo, mas que eu não os recusaria nunca e mesmo que pudesse parecer loucura, o sentia longe como se aquela distância de antes tivesse retornado.

Agora estou guardando o boletim de ocorrência e o mandato de afastamento à Logan James Carter dentro do livro que estava lendo. Hoje é o penúltimo dia de competições, Rony, um cara chamado Diego e Sebastian são os finalistas e por algum motivo, desde ontem depois da nossa conversa e ida a delegacia; Sebastian está voltando ao ponto de partida de onde saímos em Uepplen, qual de 10 palavras que trocássemos um com o outro, 25 eram provocações ou discussões. Talvez seja porque ele tem consciência de que amanhã tudo vai voltar ao normal, meus pensamentos me fazem lembrar do acordo idiota com prazo de validade extremamente perto e acabo bufando. Não que eu quisesse estendê-lo, de jeito nenhum, quer dizer, não sei mais, porque o problema de querer muito algo que não podemos ter é se deixar convencer de que, de algum modo, tê-lo por mais de alguns dias é algo extraordinariamente necessário. Guardo o livro dentro da minha mochila e a fecho, levando alguns segundos a mais que o necessário antes de sair do quarto. Hoje, meu colega de quarto saiu para o concurso sem se dar o trabalho de me esperar. Não que eu me importe, porque quanto mais tempo estiver longe do barulho irritante da sua maquininha; melhor. No entanto, chegar sozinha e não junto dele, como fizemos todos esses dias, é estranho. Chego ao salão de competição e não preciso procurar por Sebastian, ele, Diego e Rony estão centralizados no meio do lugar, cada um com suas devidas cadeiras e se antes pensei que havia bastante pessoas para assistir essa bobagem, é porque ainda não fazia ideia da quantidade de pessoas que apareceriam no último dia. O lugar está lotado, tanto que tenho que me espremer entre alguns corpos, para conseguir chegar até a frente.

Observo Sebastian terminar de ajeitar suas coisas, conforme a garota sentada na sua cadeira sorri e não para de tentar puxar assunto. Confesso que algo dentro de mim se revigora conforme Sebastian apenas a responde com respostas monótonas ou acenos de cabeça, deixando nítido seu desinteresse. Mesmo sem certeza, desvio de mais alguns corpos, até "invadir" a margem do círculo no qual ninguém estava pisando, como se fosse uma área onde apenas os competidores pudessem ultrapassar e me sento no mesmo banquinho que dentro desses 14 dias se tornou meu melhor amigo. Sebastian, assim como a garota e Rony me acompanham com o olhar e quando noto suas atenções fixas em mim; aproximo de leve as sobrancelhas.

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