Capítulo 48

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Abdiel narrando

Já se passaram uma semana que enterramos a senhora Helena. Ellie meio que se isolou do mundo e eu fiquei com ela.
Estamos há uma semana trancados no meu apartamento. Ficamos deitados, a maioria do tempo, revendo os vídeos de senhora Helena dançando.

- Ela foi feliz, né amor? - Ellie me peguntou com os olhos rasos de lágrimas.

- Sim. Foi sim. Olha esse sorriso. Sou grato por ter a conhecido.

- Vou levantar e me arrumar para ir para a escola. Você vai comigo? - Ela me estendeu a mão.

- Eu vou para onde você for, agora sou sua sombra. - Sorri para ela.

- Eu te amo. Obrigada por tanto. - Ela me deu um selinho demorado.

- Eu que te agradeço. Obrigado por confiar em mim. Te amo. - Passei a mão em seu rosto.

- Vou me arrumar e fazer nosso café da manhã. Minha mãe não iria gostar de me ver em casa, tenho que estudar e fazer minha faculdade. Prometi isso para ela.

- Eu vou te ajudar a cumprir sua promessa, pode deixar.

- Você já está ajudando. Te amo. - Ela me deu um selinho e saiu correndo em direção ao seu quarto. Ellie se mudou para cá, depois que sua mãe faleceu.

Tentei conversar com meus pais sobre ela, mas as tentativas foram em vão, eles sempre estão muito ocupados.

Nos arrumamos e fomos para a escola. Ellie estava agarrada no meu braço, todos a olhavam com um olhar triste. Talvez já soubessem da triste notícia.
Muitas pessoas vieram conforta-la.
Ian nos observava de longe, nem para vir falar algo para Ellie. Talvez seja melhor assim.

Ian narrando

Recebi a triste notícia da morte de Helena. Ela já estava sem vir trabalhar há alguns meses.
Depois que ela caiu na cozinha, meu pai a deixou em casa.
Tive que arrumar outra pessoa para cozinhar minhas refeições, senti falta dela por causa disso, a comida dela era bem melhor.

Não me permiti chorar quando recebi a notícia, Helena nem era da família. Mas pensei em Ellie agora sem mãe e pai.

Hoje ela voltou para a escola, seu semblante está bem abatido. Parece até que perdeu peso.
Ela está agarrada em Abdiel e isso me incomoda. Ele nem dá espaço para ela respirar.

Hoje tem aula de natação para as meninas, fui e fiquei sentado olhando Ellie na água.
Ela parecia distante, aproveitei que Abdiel não estava por perto e decidi me aproximar.

- E aí, como você está? - Sentei do lado dela.

- Estou sobrevivendo. - Ela deu um sorriso fraco.

- Daqui a pouco ameniza a dor. - Falei, olhando para frente.

- Espero que sim. Vou indo, tenho muito trabalho para fazer. Com licença. - Ellie se levantou e foi caminhando em direção ao vestiário. Fiquei ali sentado, a esperando sair.
Quando ela saiu eu fui atrás.

- Ellie, espere. Eu vou para lá também. - Fui andando do seu lado.

- Não precisa ser gentil só por causa de pena, ok Ian?

- Não é isso, eu me preocupo com você. É estranho admitir isso em voz alta.

- Logo você? - Ela sorriu. - É estranho mesmo.

Entramos na biblioteca, Ellie sentou em uma mesa e eu sentei duas mesas de distância.
Enquanto ela estudava e fazia as lições, eu a observava.

Teve uma hora que ela abaixou a cabeça e começou a chorar. A biblioteca já estava cheia, como eu poderia ir até ela para consola-la?
As pessoas me viriam com ela. Coloquei os fones de ouvidos e fingi ouvir algo no celular.
Ellie levantou e caminhou para fora, suas pernas estavam cambaleando.
Levantei e fui atrás.

- Ellie, está tudo bem? - Corri atrás dela e perguntei.

- Está sim. Só preciso encontrar Abdiel. - Ela parecia tonta.

- Vem, vou te levar para o carro, lá você pode deitar. - Tentei segurar o braço dela.

- Não precisa. Não quero que te vejam com a bolsista. Muito obrigada. Eu só preciso achar Abdiel.

- Você e esse seu jeito, não aceita ajuda. - Segurei o braço dela, estava decidido a arrasta-la para o carro.

- Solta ela Ian. - Aquela voz insuportável, eu já conhecia. Abdiel estava atrás de mim.

- Não vou soltar nada. Quem você acha que é para mandar em mim? Eu solto se eu quiser.

- Ela é minha namorada e eu acho que tenho direito de pedir isso. Até porque ela já falou para você solta-la.

- Eu quero ver quem vai fazer eu soltar. - Abdiel deu dois passos para frente. Ellie começou com uma crise de choro. Que história é essa de namorado?  Fiquei furioso ao ouvir ele falando essa palavra.

- Está vendo o que você está fazendo? - Abdiel bufava.

- Não estou nem aí, ela vai vir comigo. Vem Ellie. - Eu estava agarrado no braço dela. Ellie não esboçava reação, só sabia chorar.

- Larga ela, seu idiota. - Abdiel segurou meu braço. - Eu não quero estragar seu nariz, mas você não está me dando escolha. - Abdiel encostou a testa na minha. - Larga ela, não vou pedir com educação mais não. - Ele falava entre os dentes.

- Já chega Ian! - Aquela voz era conhecida. Olhei para trás e vi meu pai parado ali.

- Pai,  o que o senhor está fazendo aqui?

- Larga a menina, você é um estúpido mesmo, não é?

- Mas pai, eu só quero levá-la para o carro.

- Ela já falou que não quer ir. Respeite a vontade dos outros. Eu te criei muito errado Ian. O meu erro foi sempre te dar tudo o que você queria. Eu devia ter te dito uns nãos.

- Você está defendendo essa bolsista e está contra mim? Como assim?

- Se eu não te pegasse naquele orfanato, você também seria um bolsista. - Meu pai colocou a mão na testa. - Ou estaria em algum lugar caído por aí, igual ao seu pai alcoólatra.

- O quê? - Aquilo me destruiu. - Eu sou filho de um cachaceiro? - Meus olhos estavam arregalados em direção ao meu pai. Tive vontade de vomitar.

- Ian. Pare de se desfazer das pessoas, se não fosse por sua mãe e por mim você não estaria aqui.

- Eu sou filho adotivo? - Aquilo fez minha cabeça ferver.

- Sim Ian, você é adotivo. Desculpe te contar assim, eu já não aguento mais essa sua raiva por pessoas de classe baixa. Mas você veio de lá.

- Eu não acredito nisso. - Sai cambaleando e corri em direção ao carro.

- Ian! - Meu pai gritou, mas não olhei.

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