"Aceita o conselho dos outros, mas nunca desistas da tua própria opinião"
- William ShakespeareHenry Blackwood
No início, a vida de um libertino é como uma dança sem fim. Os passos são conhecidos, e a música, embora muitas vezes repetitiva, é um conforto no caos do cotidiano. Mas hoje, ao entrar no Gato Preto, a taberna que eu frequento há anos, a melodia parecia descompassada, o que eu sempre procurei agora estava cada vez mais distante.
Meus passos arrastavam-se pesadamente sobre o chão de madeira, os ecos de risadas e conversas abafadas envolviam a sala. As luzes de velas tremeluziam, criando sombras dançantes nas paredes sujas. A fumaça dos cachimbos misturava-se ao cheiro de bebidas e comida gordurosa, criando uma névoa que embaçava a visão. Meu estado de embriaguez era um companheiro constante, mas hoje não era apenas o vinho que me embriagava - era uma inquietação nova e incômoda.
Sentei-me em um canto afastado, onde pude observar os bêbados e os curiosos que povoavam o local. A sensação de desconforto que me acompanhava era quase palpável. Estava perdido em pensamentos sobre a notícia de que Catherine Pembroke estava prestes a se casar com Lorde Harrington. O noivado não me preocupava apenas pela falta de afinidade entre eles, mas pela natureza odiosa do próprio Harrington. Eu conhecia a índole desse homem; a sua crueldade disfarçada por um sorriso educado era um veneno.
- Mais um copo, Blackwood? - perguntou o dono da taberna, o Sr. Thompson, enquanto passava por minha mesa. Seu rosto estava marcado pela idade e pelas preocupações típicas de alguém que dirige um lugar tão repleto de vícios e desordem. Eu fiz um gesto afirmativo, e ele despejou uma quantidade generosa de vinho em meu copo, sem esperar qualquer cortesia.
- Obrigado, Thompson, - murmurei, levando o copo aos lábios. O líquido quente e ácido deslizava pela minha garganta, proporcionando um breve alívio da agitação interna. Mas o efeito não durava. Eu não conseguia esquecer a imagem de Catherine, seus olhos brilhando com uma inteligência que parecia contrastar fortemente com a vida que estava prestes a ser imposta a ela.
Acompanhei Thompson com o olhar enquanto ele se afastava e então me inclinei sobre a mesa, a cabeça pesada e os pensamentos confusos. Não era como se eu estivesse acostumado a me preocupar com as vítimas das escolhas dos outros, muito menos com uma dama da alta sociedade. E, no entanto, havia algo em Catherine que me fazia questionar o propósito de toda a minha vida de excessos.
- Está com uma cara de quem bebeu mais do que deveria, - observou um homem sentado à mesa ao lado, um comerciante local de pouca importância. - Por que tão abatido, Blackwood?
Revirei os olhos para ele, antes de dar um gole no meu vinho.
- Não é do seu interesse, comerciante.
- Ah, mas sempre é um prazer ouvir um bom escândalo, - disse ele com um sorriso malicioso - Por acaso está pensando em algum assunto de mulher?
Eu dei uma risada amarga, a ideia parecia absurda.
- Na verdade, sim. Ouvi dizer que uma dama vai se casar com um homem que não é digno de amarrar seus sapatos. Isso me faz refletir sobre o quanto a vida pode ser cruel.
O comerciante arqueou uma sobrancelha, visivelmente interessado.
- Você deve estar se referindo a alguma jovem prometida a um nobre. São coisas que costumam acontecer por aqui.
- Exatamente, - respondi, olhando para o fundo do meu copo. - O problema é que este nobre em questão é um verdadeiro vilão. Conheço sua índole, e a última coisa que ele deveria ter é uma jovem como ela.
O comerciante deu um tapinha na mesa.
- E você, Blackwood, o que tem a ver com isso? Não é como se você fosse um cavaleiro disposto a salvar donzelas em perigo.
- Não, certamente não sou, - respondi com um sorriso que não alcançou meus olhos. - Mas por algum motivo, não posso simplesmente ignorar a injustiça que está prestes a acontecer.
O comerciante pareceu intrigado, embora não entendesse completamente.
- Então você acha que pode fazer algo a respeito? Vai sair da sua vida de excessos para salvar uma dama? Isso é um tanto incongruente, não acha?
- É mais do que incongruente, - afirmei, inclinando-me para frente. - É paradoxal. Eu passei a vida inteira fugindo de qualquer responsabilidade, afundado em prazer e vício. Agora, de repente, sinto que talvez haja algo mais significativo do que eu jamais considerei.
O comerciante riu, balançando a cabeça.
- Você está se tornando um herói tardio, Blackwood. Mas, entre nós, é uma pena que a vida tenha que ser tão cheia de dilemas. Se eu fosse você, me manteria longe dessas questões. Pode acabar se machucando.- Acho que já estou machucado o suficiente, - respondi, com uma sinceridade que mal reconheci em mim mesmo. - É uma dor nova, uma que me faz pensar que talvez eu possa fazer algo mais, algo que realmente importe.
O comerciante sorriu com um misto de pena e diversão.
- Bem, se você está decidido a ser um salvador, espero que saiba onde está se metendo. Damas e cavalheiros são mundos diferentes. E, se você quer interferir, pode precisar de algo mais do que vinho e boas intenções.
Eu sorri para ele, um sorriso que era tanto um reconhecimento quanto uma resignação.
- Talvez você esteja certo. Talvez eu precise de algo mais. Mas, por agora, vou me contentar em refletir sobre o que fazer a seguir.
O comerciante se levantou e fez um gesto de despedida, enquanto eu permanecia ali, com meus pensamentos emaranhados e meu copo quase vazio. A vida que eu havia escolhido estava desmoronando diante dos meus olhos, e, paradoxalmente, o desejo de salvar Catherine Pembroke era o fio de esperança em meio ao meu caos pessoal.
Deixei a taberna com a mente ainda mais turva do que quando entrei. As ruas esfumaçadas e mal iluminadas pareciam refletir minha confusão interna. Catherine estava em perigo, e eu não sabia se estava pronto para fazer o que precisava ser feito. Mas, no fundo, uma nova determinação estava começando a crescer dentro de mim. Talvez, para um libertino, o verdadeiro desafio não fosse evitar a responsabilidade, mas abraçá-la quando a oportunidade surgisse.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Libertino e a Dama Indomável
RomanceSinopse 🍂 Na Inglaterra de 1797, onde as convenções sociais determinam os destinos das mulheres, Catherine Pembroke, uma jovem inteligente e de espírito livre, se vê encurralada por sua família para um casamento indesejado com um homem muito mais v...