“Tarde demais a conheci, por fim; cedo demais, sem conhecê-la, amei-a”
— Romeu e JulietaHenry Blackwood
Depois daquele encontro às escondidas na velha cabana Weeping, quando beijei Catherine, algo definitivamente se partiu em mim. A princípio, achei que era mais um daqueles impulsos que me assolam, tão comuns em minha natureza. Um beijo arrebatador, carregado de desejo, e nada mais. Uma dama a mais em minha lista de conquistas. Mas não. Era algo muito mais profundo. Desde então, os pensamentos sobre ela têm sido uma tormenta, e essa nova inquietação em meu peito me irrita.
Que diabos aconteceu comigo? Não é natural para um homem como eu, um libertino assumido, sentir essa ânsia. Esse desejo não saciado e esse tormento silencioso de saber que Catherine será, em breve, a esposa de outro homem. Um tolo qualquer, preso a títulos e regras que eu mesmo desprezo. E, no entanto, ali estava eu, incapaz de me afastar dessa ideia. A ideia de que ela será de outro. De que seus lábios que provaram os meus com tanto fervor serão beijados por outro. Que ela será tocada, possuída por um homem que não sou eu. Isso me corrói de dentro para fora.
Estou consumido por pensamentos sobre ela. Eu a vejo em cada sombra, ouço seu riso suave no vento. A forma como ela revirou os olhos para mim em nossa última conversa na velha cabana, como se tivesse me achado mais ridículo do que nunca… e ainda assim, havia algo ali. Um brilho de algo que eu, o grande Henry Blackwood ainda não consegui decifrar. E essa é a pior das tortura — saber que algo está mudando dentro de mim e não ser capaz de nomeá-lo.
Hoje, enquanto vagava pela cidade tentando escapar da prisão de meus próprios pensamentos, o destino me pregou uma peça cruel. Lá estava ela, através da vitrine de uma loja de noivas, com um vestido branco que caía como uma cascata de seda sobre seu corpo delicado. O tecido abraçava suas curvas, revelando uma delicadeza e uma beleza que eu sempre soube que existia, mas que, agora, estava amplificada em sua forma mais pura e devastadora. Meu coração, aquele pedaço de pedra que nunca havia tremido, subitamente sentiu o golpe.
Catherine estava linda, é claro, mais linda do que qualquer outra mulher que já vi… mas era o semblante dele que me atingiu como uma lâmina afiada.
Ela estava triste. Melancólica. Seus olhos, normalmente tão cheios de fogo e vida, estavam vazios, como se contemplasse uma sentença de morte. Aquela imagem, tão bela e trágica, fez meu estômago se revirar. Tudo que eu queria, tudo que meu corpo e alma gritavam, era invadir aquele lugar, arrancá-la dali, destruindo a loja e todos os malditos tecidos que nos separavam, levá-la para longe, onde nenhum Harrington ou convenção social pudesse tocá-la.
Permaneci ali, na calçada, como um tolo petrificado, enquanto ela rodopiava suavemente, o vestido esvoaçando em torno dela como se fosse um fantasma envolto em um sonho de seda. Ela tocou o espelho com a ponta dos dedos, uma lágrima prestes a escapar, e aquilo foi a gota d'água. Meu peito queimava de raiva, de ciúme, de desejo. Eu, Henry Blackwood, estava a ponto de perder a razão por uma mulher que nunca deveria ter conhecido. O gosto amargo da impotência estava em minha boca, e eu sabia que precisava apagá-lo.
Minhas mãos cerraram em punhos. Eu precisava de ar. Algo mais forte. Eu não podia mais suportar essa visão. Afastei-me da loja, cada passo me custando mais do que deveria. Eu não suportava ver aquele rosto sereno de dor, e a ideia de outro homem a abraçando, consolando-a, consumindo-a… Maldição! Que direito ele tem? Que direito tem qualquer homem? Eu jamais fui um para me apegar a essas convenções, mas agora tudo parecia importar, tudo parecia ser um insulto direto ao que eu… sentia.
Virei na primeira esquina, já sabendo o que precisava fazer. Se Catherine estava condenada a um casamento sem amor, eu precisava condenar a mim mesmo a esquecer essa loucura que me assola. O bordel mais próximo era o antídoto que eu procurava. Rosto após rosto, toque após toque, uma distração que eu sabia não me curaria, mas que talvez me embriagasse o suficiente para silenciar esses pensamentos traiçoeiros.
Quando cruzei as portas escuras e pesadas do bordel, o ar espesso de perfume e risos fingidos me atingiu. O calor era quase sufocante, e a música que tocava ao fundo era uma paródia grotesca de alegria. Era um cenário familiar para mim, um que muitas vezes eu encontrava consolo. Mas agora, parecia oco, sem sentido. Eu me lancei na escuridão, buscando um alívio que sabia, no fundo, que não encontraria. Catherine Pembroke havia se infiltrado em minha mente, e por mais que eu tentasse, não havia bebida, prazer carnal, ou risos fugazes que apagariam a imagem dela, com aquele vestido de noiva, assombrando-me como um fantasma que se recusa a partir.
Sentei-me em uma poltrona surrada no canto, um copo de uísque na mão, observando as sombras se moverem ao meu redor. Eu sabia que essa noite terminaria como todas as outras desde que a conheci: comigo, sozinho, amaldiçoando o dia em que aquela mulher desafiadora cruzou meu caminho. Mas, mesmo assim, continuarei tentando. Afinal, sou um homem condenado. Talvez não por meus pecados, mas por esse sentimento novo e estranho que me desestabiliza como nunca antes.
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O Libertino e a Dama Indomável
RomanceSinopse 🍂 Na Inglaterra de 1797, onde as convenções sociais determinam os destinos das mulheres, Catherine Pembroke, uma jovem inteligente e de espírito livre, se vê encurralada por sua família para um casamento indesejado com um homem muito mais v...