Rebeldia

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Do lado oeste do Rio Prima, onde a Fortaleza Sul de Prima-u-jir não tem força, colinas e florestas tornam-se mais raras. O solo é mais dócil, dizem, e o clima é mais fácil. As jirs são menos preocupadas em imitar a autossuficiência do centro, preferindo viver sem fronteiras dentro de uma pintura em que amplos tons de verde dividem espaço com estradinhas escondidas, pelas quais só passa uma carroça por vez, e coleções desorganizadas, quase constelações, de casebres feitos com orgulho circundando praças com mesas e banquinhos de pedra.

Passear pela paisagem era desolador ou inspirador, a depender de quem viajava. Nenhuma estrada principal levava para lá, e era fácil se perder depois que o rio saía de vista. Os descaminhos sem razão eram inimigos da pressa, para o bem e para o mal. Se alguém quisesse simplesmente andar por campos perfumados e avistar casas bem decoradas frente ao morrer de Roun, estaria no lugar certo.

Caterina, Alessandro, Verônica e Leonardo pararam em frente a um círculo de casas em meio ao tapete verde-claro que só não parecia ser sem fim pelos contornos fracos de mais casas ao longe, além de uma ponta da Floresta Rezin mais a sudoeste. Leonardo suava mais, as pálpebras abaixo da cabeça lustrosa abertas pela metade, os braços grossos enganchados na cintura. Alessandro aproveitou a parada involuntária para apoiar-se nos joelhos. Sua panturrilha berrava, inconformada. Numa briga com os outros, foi forçado a deixar para trás a grossa capa marrom que tornava seu caminhar lento --- aquele era o penúltimo dia da estação fria, e de qualquer forma ele teria muito mais a perder se eles não chegassem logo à jir no Sul.

Verônica, a parlamentar ruiva, apoiou-se num ombro da líder à frente do grupo.

--- Vamos. --- Disse Caterina, forçando a pouca saliva a umedecer a garganta.

Andaram mais alguns minutos até passar por um espaço estreito entre duas casas azuis. Não havia janelas para o corredor. Avistaram a penumbra fria de final de tarde caindo sobre duas árvores grossas e altas no centro da praça, que se enraizavam por buracos nos ladrilhos.

Uma mulher baixa e morena, vestindo calça e casaco carmins, separava grãos em cima da mesa. Sentada no banquinho cilíndrico e esteticamente rachado, olhou para o corredor enquanto casualmente prendia o cabelo escuro e seco.

Seus olhos igualmente escuros e secos ganharam vida ao ver as figuras entrando na praça.

--- Caterina! --- Guinchou, pisando torto ao correr para a parlamentar. --- Ai de mim, o que que houve?

Caterina segurou as mãos da mulher.

--- Lara, você pode deixar a gente ficar aqui hoje?

--- Meus pais, Caterina, eu preciso daquela charrete o quanto antes... --- Começou Verônica.

--- Eu sei... Calma. --- Pediu ela, mais desesperada que irritada. --- Lara, podemos ficar?

--- Podem, é claro, é claro --- Respondeu ela, analisando os outros com olhares rápidos. --- Mas o que que aconteceu, Caterina, para chegar até aqui andando? Eu vou pegar uma água para vocês...

--- Lara --- Disse Caterina, segurando a mão da mulher para não deixá-la ir. --- Ninguém pode saber da gente por enquanto.

Lara confirmou com a cabeça, séria, depois de pensar um pouco.

--- É difícil, Caterina, mas eu vou tentar. Tem muita gente chegando agora, mas vocês podem ficar lá na minha sala com a janela fechada... É ali. --- Ela apontou para uma porta à direita deles.

--- Obrigada.

***

--- Não podemos mais ter segredos. --- Disse Verônica, a primeira a se sentar, enquanto Alessandro puxava uma cadeira na mesa fosca e arenosa de madeira escura. --- Eu sou uma alorfa.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora