Luz

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--- As notícias são boas, não são?

--- ... Sim... --- Suspirou Maya.

Anke e a outra preculga podiam se ouvir, mas não se olhar; suas portas, cruzadas no mesmo corredor do prédio do Conselho, tornaram-se barreiras para seus corpos por determinação de Desmodes. Mas, se os magos não podiam sair dos quartos, podiam pelo menos ocupar os limiares, com as portas abertas e as mãos nos batentes.

Viam-se obrigados a usar o silêncio como mensageiro. Convertiam cada inflexão, cada espaço de tempo entre uma fala e outra, em adivinhação sobre o que o interlocutor estaria pensando, para onde e como estaria olhando, que gesto estaria fazendo.

Maya ouviu o ruído de unha coçando pele e imaginou Anke com a mão perto do queixo.

--- Mesmo se contra Roun-u-joss o plano não funcionar como Desmodes imagina... Temos soldados em outros lugares. É certo que nós vamos ganhar.

--- Sim... Mas o uso de esferas de bronze do jeito como elas foram usadas é execrável.

--- Entendo que talvez não precisássemos usá-las... Talvez concorde. Mas onde estaríamos agora se não fossem por elas?

--- A pergunta não é essa, Anke... A pergunta é onde estaríamos se não fosse por Desmodes.

Silêncio.

--- Você quis dizer que estaríamos... Piores sem ele, suponho? Maya... --- Prosseguiu Anke, num tom mais baixo. --- Ele fez você dizer isso?

Mãos à garganta.

--- Maya?

--- Não... Não. Eu quis dizer... Que não teríamos tantos problemas sem ele.

Não sabia para que lado pendia a inevitável expressão nos traços de Anke.

--- ... Bem... Por outro lado... Depois que tudo isso acabar seremos praticamente os donos de Heelum... Pelo menos é o que ele quer que acreditemos.

--- Não é o que vai acontecer. Al-u-een e Roun-u-joss não vão perdoar nada com facilidade, Anke, ainda menos batalhas vencidas com esferas de bronze. Ia-u-jambu, ou mesmo Inasi-u-een... Não vão ser fáceis de dominar. Não a longo prazo.

Esperava com ansiedade pela resposta. Não sabia ao certo por quê: poucas coisas realmente podiam alterar sua realidade naquele lugar, e aquele comentário quanto a uma questão estratégica sobre a qual nenhuma das duas teria influência alguma certamente não faria nenhuma diferença.

--- Creio que nós, preculgos, seremos mais necessários que nunca...

***

Quando Kan viu pela primeira vez "O Nascimento", a estátua da praça em frente ao parlamento de Al-u-een, tudo lhe parecia tão vivo que a surpresa não seria tanta, aos seus olhos infantis, se todos começassem a se mover, do jeito mesmo que estavam, incompletos como eram.

Soltou a respiração presa por um momento --- via enfim sua imaginação interpretada como num teatro. Os magos moveram-se todos ao mesmo tempo, nas mais variadas direções, fazendo os mais distintos gestos; uns se abaixaram na cadeira, rangendo os dentes (talvez a dominação de Desmodes mascarasse alguma dor nas pernas) enquanto outros descobriam o que significava ter controle dos braços de novo.

--- Você ainda nos controla! --- Vociferou Elton, com um olhar lacrimejado para o mago-rei.

Foi ignorado. Desmodes olhava para o centro da mesa, indiferente a tudo o mais. Ao receber a notícia de que as tropas do Conselho agora controlavam Roun-u-joss, ele anunciara a liberdade, ao menos física, dos parlamentares.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora