Os grilhões dos outros

1 0 0
                                    

Tadeu deu um passo para trás. Estava à frente da porta do quarto de Joana, e percebeu que o castelo da maga se aproximava.

--- Desculpa. --- Disse ele quando ela o atendeu. --- E-eu posso entrar? Queria fazer uma pergunta.

Ela abriu mais a porta, recebendo o visitante com um sorriso. Ele, com as mãos no bolso da capa jogada por cima das roupas de dormir, esperou o olhar da forasteira se voltar para ele de novo para começar a falar.

--- Eu queria saber o que são... Alorfos e filinorfos.

Joana puxou ar, cruzando os braços. Não parecia estar particularmente incomodada, pensou Tadeu, mas aquele silêncio era estranho.

--- Não perguntou para os teus pais?

--- Perguntei para o Gabriel, m-mas ele também não quis responder.

--- Mas eu não disse que eu não quero responder.

Tadeu balançou a cabeça.

--- Perguntei para você porque... Meus pais veem segundas intenções onde não tem nenhuma. Eles podem... São desconfiados, e-e eu não quero atrair suspeita.

Joana sustentou o olhar fixo no aprendiz de mago.

--- Vão achar que eu... Estou tentando me livrar da magia ou algo assim.

--- E por que tu iria querer "te livrar" da magia?

Foi a vez de Tadeu respirar fundo. O quarto de hóspedes em que Joana estava era grande o bastante para que ele pudesse andar, aliviando a pressão sob seu crânio --- mas ficou ali, pregado ao chão, irritando-se consigo mesmo.

--- Eu nunca quis aprender.

--- Mas aprendeste?

--- Sim... Sim, claro. Quando, p-por exemplo, eu tentei impedir que o... q-que aquele homem levasse a Anabel, eu usei magia, m-mas não sou muito bom. E não sei se eu quero ser.

Joana balançou a cabeça, compreensiva.

--- Eu não deveria ter dito isso. --- Adicionou Tadeu, ligeiro. --- Não é uma coisa inteligente de se dizer...

Joana sentou-se à cama como quem quer descansar depois de um longo dia de trabalho.

--- Tua pureza é bonita, Tadeu. Eu gosto dela. Não te preocupes que não vou tomar proveito de ti. --- Tadeu sentia o rosto arder, e se perguntou se sob a forte luz amarela do minério próxima à janela, a maga podia ver esse detalhe de sua face. --- Lá em Roun-u-joss é tão pouco o contato com outros magos que a gente fica meio enferrujada nesses joguetes todos de poder... Te senta. --- Sugeriu de repente.

Tadeu obedeceu.

--- Tu querias saber dos alorfos e dos filinorfos... Os alorfos... São magos que acham que todo mundo deveria aprender magia. E os filinorfos acham que a magia deveria ser toda proibida.

Joana explicava com paciência; seu olhar não incidia sobre Tadeu com cobrança, autoridade ou competição.

Durante toda sua vida Tadeu jamais ouviu uma definição coerente e completa de qualquer uma daquelas tradições renegadas.

Mas nenhum mago falava com tanto respeito e simplicidade deles, pensou ele. Com qualquer respeito que fosse.

--- P-por que eles... Pensam assim?

--- Porque eles não aceitam que uns sejam melhores que os outros. Que os magos organizem as coisas. Que os magos mandem nas coisas. E cada grupo tem uma solução diferente para o problema.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora