Futuro diferente

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Lenzo não acreditou que Rainha conseguiu reunir tanta gente de uma vez simplesmente pedindo aos funcionários da propriedade que o fizessem.

Um palco improvisado de madeira --- que agravava pela pouca solidez o medo que já fazia Lenzo tremer --- foi construído à frente da porta do castelo. O público que os ouvia não estava só à frente, formando dez, vinte, trinta fileiras desorganizadas; dava a volta no pódio, cercando-o, e estendia-se pelas laterais do castelo.

Para a eventualidade de aquele povo querer massacrá-los, Lenzo tentava imaginar se eles poderiam se defender bem por algum tempo. Afastou o pensamento tragicômico de que estava mais seguro na prisão.

Os homens e as mulheres que aguardavam pelo pronunciamento misterioso, às vezes com crianças de colo, não ficaram quietos ou conversando educadamente sobre a ameaça de chuva; eles berravam. É claro que, em suas perspectivas, conversavam; concederiam, quem sabe, que tinham o hábito de falar alto, mas para Lenzo eles vociferavam, em cada palavra imprimindo um tom belicoso. As reclamações eram inúmeras, das mais sérias às mais triviais. Gritos pela escassez disso ou falta daquilo se confundiam com a falta que pessoas desaparecidas ou mortas faziam, sem que investigação alguma conseguisse encontrar um culpado. A irreverência de uns contrastava com o choro a dez pés de distância. Para eles, o culpado inequívoco era sempre Hourin, com outros falando também de alguém chamado Haro.

Lenzo voltou para o saguão de entrada do castelo. Rainha estava de pé no meio da sala com as mãos na cintura e um rosto tão decidido que o primo pensou duas vezes antes de falar qualquer coisa. O medo, contudo, acabou ganhando.

--- Eu não acho que seja uma boa ideia falar hoje, Rainha... Você... Viu o jeito deles?

Ela fez que sim com a cabeça.

--- Isso tudo é culpa do meu pai.

"Ela está tentando me dizer alguma coisa?", pensou ele, abaixando os ombros sem perceber. "É algum tipo de indireta?"

--- O que você vai dizer?

Ela sorriu, parecendo gostar da ansiedade dele.

***

Quando Rainha apareceu, a multidão ficou mais quieta.

--- Bom dia a todos.

Logo atrás estava Lenzo, com uma mão grudada na outra à frente do corpo . Ao redor deles, alguns funcionários do castelo, tecendo uma trama de olhares como se os rosanos de convivência simulassem, só para eles, a Rede de Luz.

Rainha tomava bastante ar para falar. Talvez achasse que fosse ser mais fácil do que realmente era, pensou Lenzo.

--- Eu vim aqui... Não em nome do meu pai, mas em meu nome... Pedir perdão por tudo o que ele fez.

O estômago de Lenzo embrulhou-se na hora em que sua nuca resolveu tremer.

Se as pessoas da multidão formassem um só corpo, poder-se-ia talvez descrever reações semelhantes neles. Absurdamente quietos, dividindo-se em uma metade boquiaberta e a outra de testa franzida, pareciam desacostumados a ouvir qualquer coisa parecida com aquilo quando o assunto era oficial.

--- Mas eu quero ser diferente. --- Continuou Rainha, olhando cada vez mais para a linha do horizonte ao invés de para baixo. --- A partir de hoje... Muitas coisas vão mudar.

--- Queremos saber onde está a Kichi! --- berrou uma mulher no fundo.

A reação se espalhou como rubor em bochechas; aqueles que procuravam por outros desaparecidos bradaram os nomes e as frases de ordem. Os que antes bradavam por outras coisas não tinham voz agora, mas ajudaram a fazer volume para os mais revoltados com os desaparecimentos.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora