Insustentável

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Sem ressalvas quanto a deixar-se afundar na larga e desconfortável cadeira marrom, Byron sorvia com paciência um copo d'água no acampamento montado próximo ao conjunto de casas que, tendo escolhido derrubar de vez, há três dias espreitava. Pretendiam provocar com inteligência uma asfixia no povo que não tinha para onde ir, mas o suspiro final tardava a chegar.

Girou o copo com a mão sobre o largo apoio de braços plano, duro. Sabia que tinha pressa só porque estava vulnerável. Por vezes quase sentia-se vergado, como se o peso nas costas fosse mais que metafórico, e as duas pupilas vermelhas no escuro, mais que águas passadas a mais no rio de pesadelos.

Não se preocupava com a vergonha; não com a palavra dita assim, termo que seria sempre próprio de uma criança. Era uma questão de sobrevivência. E honra. Mas no momento...

Tornero entrou pela abertura frontal daquele abrigo de goma escura em que um minério amarelo no chão apenas criava uma luz estável, mas incômoda, chata, chutada para atrás dos assentos. Sentou-se num banquinho ao lado da cadeira, começando a olhar para o mesmo nada que o mestre.

--- Terminei a ronda. --- Disse ele.

--- Percebeu alguma diferença?

Tornero negou em desdém.

--- Na teoria tinham que estar tão cansados que viriam pedir por misericórdia o mais rápido possível...

--- Então por que isso não aconteceu ainda?

Tornero soltou ar pelo nariz.

--- Não sei.

--- Eles têm alorfos lá dentro. No mínimo um. Certas técnicas são difíceis de se esquivar, mesmo quando se tem consciência de tudo... Estão determinados... O medo vai deixá-los com raiva. O desespero, com medo. O cansaço... Desesperados.

Byron passou a observar o aprendiz, que ouvia à análise a meia face. Por um momento viu no jovem a mesma determinação de rosanos antes, quando ele se iniciou entre os magos; a seriedade cabia bem melhor naquele rosto crescido. Não parecia fora de lugar.

--- Interrompa as rondas. --- Continuou. --- Deixe o trabalho para os preculgos agora.

Tornero assentiu, quieto, e Byron franziu o cenho por um instante. O jovem Tornero teria questionado a decisão, por orgulho ou por saudável ignorância. Agora era obediente, mas apesar disso podia até mesmo sentir-se quente, talvez até iluminado pelo vermelho crepitante de uma fogueira silenciosa que crescia dentro do aprendiz. Ou só havia enfim se tornado bom ator, de posse plena de suas emoções... Ou havia, de fato, amadurecido.

***

Byron acordou com berros e comandos de organização; pôs-se de pé, checando ao mesmo tempo as janelas em Neborum e o interior do castelo. Suspirou e seguiu em frente, um pouco desconjuntado, vestindo sem muita perícia o cinto com a arma.

Polícia e exército cercavam uma das saídas da jir; começavam a correr para as outras, em que os galhos e barreiras eram removidos a partir do lado de dentro. Os moradores, sempre três ou quatro a cada ponta, se avolumavam; punham as mãos para o alto, perto dos rostos derrotados, quando saíam no campo livre à frente do final dos corredores. Duas moradoras conversavam com um policial e um oficial do exército; outro soldado, que balançava a cabeça energicamente o tempo todo, recebia instruções de Alice mais atrás de onde a ação acontecia.

--- ... E ponha mais gente do outro lado, nas aberturas pras charretes!

--- Lá já estão esperando. O maior contingente está lá.

--- Bom. --- Terminou ela.

--- O que está acontecendo? --- Questionou Byron, aproximando-se.

--- Estão se rendendo. --- Comentou Alice.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora