Quando máscaras apodrecem

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Manipular terra em Neborum era como pegá-la com os dedos molhados. Tadeu não precisava se mexer, mas acabava fazendo movimentos irregulares --- reflexos do que queria fazer com a massa de terra que levitava mais ou menos de acordo com sua vontade.

--- Isso, Tadeu... --- Comemorava Galvino, pensando alto, olhos fixos na performance do filho. --- ... Agora... Ataque a porta.

Essa era a parte difícil. Tinha que imprimir velocidade e solidez a um bolo de terra maior que ele próprio. Concentrou-se, esticando a careta na força, de outra forma imperceptível, que fazia: lançou a terra em direção à porta do castelo do pai.

O caminho que a pancada seguiu foi hesitante, mas chegou ao destino, fazendo o trinco tremer com um baque antes de se esfarelar. Virou montinho revirado aos pés da porta depois de uma cascata vagarosa.

--- Está melhor que da última vez. --- Comentou Galvino. --- Mas não é o bastante.

Tocou de leve o ombro de Tadeu em Heelum, convidando-o a voltar para lá, e começou a apagar a lareira.

--- A aula já acabou?

--- Sim. Hoje tenho uma reunião de última hora... E tenho que trazer amuletos para sua mãe.

--- Amuletos são aqueles minérios que curam doenças da noite, não são? --- Perguntou Tadeu, preocupado. --- Há quantos dias ela está de cama?

--- Há apenas alguns, segundo ela, mas... --- Disse, voltando-se para o filho em seguida. --- Ela disse que já foi a uma casa de saúde. Que não tem as doenças... Isso é só uma precaução minha. Não tem com o quê se preocupar.

--- Mas como ela pode pegar as doenças da noite e nós não?

--- ... Ela pode ter sido atingida por uma versão mais fraca das doenças, ou... Estar mais... --- Respirou, como se precisasse entrar naquela conversa sem volta. --- Aberta a elas agora.

--- C-como assim?

--- Não se sabe ao certo, em alguns a doença age rápido...

--- Mas por que você acha que ela... --- Interrompeu Tadeu, puxando a gola para baixo como se ela apertasse o pescoço. --- A mãe está... Fraca p-por alguma razão? Ela tem outra doença?

--- Não. --- Galvino sentou-se no sofá, olhando para a porta como se ela pudesse lhe dizer as horas. --- Não tem outra doença.

--- Então por quê?

O pai demorou até decidir ficar e sentar-se no sofá de novo ao invés de usar a desculpa de que já estava tarde.

--- Sua mãe, Tadeu... Tem feito uma técnica que todos os magos, de todas as tradições, conseguem fazer e podem um dia dominar: a duplicação. --- Tadeu o interrompeu, perguntando o que ela fazia. --- ... Todos os magos, todas as pessoas, têm um iaumo dentro do próprio castelo. Disso você sabe... Mas se você quiser, pode duplicá-lo. Dividir-se em dois, literalmente, para estar em dois lugares ao mesmo tempo em Neborum.

Tadeu achou que precisaria de todo o ar da sala para aguentar mais aquilo: encheu o pulmão o quanto pôde e tentou não ser muito rude ao expulsá-lo do corpo.

Sentia que as faces de Neborum eram infinitas, desdobrando-se a partir do mistério da magia. Sentia que nunca acabaria de descobrir mais alguma coisa que, tinha certeza em seu íntimo, atormentaria (mais) sua paz algum dia.

--- Os magos demoram para alcançar o equilíbrio e a harmonia entre prestar atenção em Neborum e em Heelum ao mesmo tempo, mas aqueles que se duplicam precisam prestar atenção em Heelum e em dois lugares separados em Neborum. Não é simples, Tadeu, e é extremamente cansativo para a mente de um mago. Daqueles que conseguem se duplicar, muitos fazem isso por pouco tempo e apenas quando necessário. Talvez achem útil durante uma luta, por exemplo, ou se dupliquem para manter um iaumo protegendo o próprio castelo enquanto invadem outro.

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