Coalizão e confiança

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--- O que traz seus grandes olhos aqui, Maya?

Brunno recebia a maga em seu quarto. Ela entrou resoluta, balançando o longo e elástico vestido verde. O aposento era quase o inverso do seu: mais bagunçado --- coisa que Maya realmente não entendia, já que não eram eles que arrumavam suas próprias coisas --- tinha móveis pintados em verde-água e a roupa de cama, revirada e remexida por cima do colchão cinzento, espalhava-se com prazer pelo espectro de amarelo.

--- Brunno, você é um mago inteligente. --- Começou ela, arrancando um sorriso cínico do mago loiro. --- Eu vim falar sobre uma decisão sua que, na minha avaliação, foi desastrosa. Essa guerra vai nos destruir, Brunno.

O espólico coçou o final do cabelo rasteiro, logo acima da nuca, e passou pela maga para se sentar.

--- A reunião de ontem é tudo que você precisa para chegar a essa conclusão. Karment-u-een foi esvaziada, e o resultado é que não temos mais nenhum aliado perto da Cidade Arcaica. Al-u-een provavelmente vai arrasar a cidade... E pelo norte Al-u-tengo tem poucas chances de chegar a tempo de conter Ia-u-jambu. Estamos ficando acuados, Brunno.

Ele olhou de esguelha para ela, que recuou cheia de leveza, guardando as mãos para trás.

--- Nós vamos ter que fugir, mas não compreendo o plano de Desmodes. Daqui não vamos conseguir dar ordens para lá. Outras cidades, que antes nos apoiavam, vão pensar duas vezes assim que a cidade que representa o comando supremo dessa nova ordem se reduzir ao que era antes da reconstrução... O que vai acontecer é que a guerra vai sair de controle. Quando ela acabar não vai sobrar ordem que sustente a nossa vida, Brunno.

--- Olhando para trás... Realmente não me parece a decisão mais inteligente...

--- Não foi mesmo. --- Concordou ela. --- Não é.

Maya caminhou à frente do colega em passos curtos, processando a aparente facilidade da conversa. Manteve a vigilância em Neborum, por precaução; viu que não havia nenhum outro castelo por perto.

--- Você acha que é possível mudar isso agora?

Ela parou de andar, sorrindo para ele.

--- Vamos falar com Desmodes. Já tenho alguns colegas que compartilham essa ideia, mas... Por enquanto precisamos que nos apoie, Brunno. Que seja a voz da razão no grupo dos que apoiam o Desmodes.

Brunno assentiu, concentrado, enquanto Maya mordia os lábios por dentro --- havia dito o que precisava ser dito? Segurou a língua para evitar oferecer a isca do orgulho de forma óbvia demais. O que queria realmente dizer é que ela precisava dele como um líder. Todos naquele Conselho se viam como líderes, mas um líder de coalizão era um papel sempre no limiar de ser criado e cobiçado.

Maya fez um aceno ligeiramente menos entusiasmado ao abrir a porta para ir embora.

***

--- A reunião de hoje não fez você pensar de novo? --- Perguntou Eiji.

--- Não. Por quê? --- Indagou Cássio.

--- Você sabe, o Exército de Karment-u-een e o de Al-u-ber... Quando eles chegarem serão numerosos e fortes.

Cássio balançou a cabeça com veemência.

--- Não mudei de opinião. Você mudou?

--- Não.

Os dois estavam parados à frente da porta principal do castelo, aberta pelo último funcionário a sair. Ele levava maletas de lixo para a charrete que faria o trajeto de volta à Cidade Arcaica, mesmo na chuva, para levar ao general as determinações do Conselho.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora