O medo revelado

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Deixou a porta escancarada; marchou até o quarto de Kerinu, inconsequente. Não podia controlar um serviçal, como quase sempre fizera, para fechar a porta da casa.

Não ouvia mais coisa alguma --- ouvia esse zumbido, barulho forte que o deixava irritado o bastante para sequer pensar em Neborum.

Ao olhar para a cama viu um corpo esticado pelos membros e nada mais; já sem alma, sem voz, sem nada, posto que ele era seu. Aquele corpo lhe pertencia, sua voz lhe pertencia, e estava cansado de ele mesmo pertencer a essa propriedade em particular. De acordo com a vida que Byron lhe recusaria naqueles instantes, já estava morto. O zumbido garantiria aquilo, ele tinha certeza.

Mesmo que o libertasse para morrer, estaria debilitado demais para se defender de qualquer forma. Há muito tempo a justiça não tinha mais nada a ver com aquela confusão estúpida.

Tirou a espada da bainha e foi puxado para trás; debateu-se, lançando uma cotovelada efetiva e virando para trás.

--- MESTRE! --- Berrou Tornero, levantando-se rápido e erguendo as duas mãos à frente do corpo, desarmado. --- Você não quer fazer isso!

--- POR QUE NÃO? --- Berrou Byron, dando passos circulares em torno de si mesmo.

Berrou uma coisa qualquer, da qual sequer se lembraria depois, mexendo os braços a esmo com os punhos cerrados e os olhos torcidos.

--- DIGA, TORNERO!

--- Eu estou DIZENDO, Mestre! Acalme-se como um bomin e vamos para outro lugar.

Levantou a espada para o rosto de Tornero, que recuou com o queixo levantado e as mãos mais afastadas.

--- Você me desafia... É irônico, não concorda com o que eu faço, me questiona, e tenta me dizer O QUE É SER BOMIN?!

--- Guarde a espada porque você não quer...

--- PARE DE ME DIZER O QUE EU QUERO FAZER, SEU VERME! UMENAU DESPREZÍVEL!

Tornero engoliu a continuação da frase, enquanto a ponta da espada chegava mais perto do seu pescoço; com a arma reta em sua direção podia ver, mesmo à pouca luz, o quanto a mão de Byron tremia em frente a seus olhos vidrados.

--- Eu fiz de você quem você É! E você provavelmente pensa que se eu cair você vai ter tudo que eu tenho, e deve andar pela cidade como se eu dependesse de você mas você deve saber que você vive à minha sombra! Você tem que ser posto no seu lugar, como eu sempre fiz enquanto você crescia mas parece que preciso voltar a fazer!

--- Se eu quisesse que você caísse, mestre, tinha deixado ele morrer agora.

O tom de Tornero ainda mantinha a espada de Byron levantada, mas ele não podia mais ignorar o conteúdo. Baixou a espada. Em Neborum não ousou abrir a porta do próprio castelo, não com Tornero tendo ouvido tudo aquilo --- mas sabia que ainda não podia sair. Se chegou de fato a assustar Kerinu... Aquilo não teve nenhum efeito.

***

Tornero tirava a capa e a camisa com lentidão no escritório de Byron, que franziu o cenho ao ver o corte vermelho longo e profundo em seu braço esquerdo.

--- O que é isso?

--- Foi curado parcialmente para não sangrar.

Uma empregada abriu a porta e entrou na sala. Assustou-se com o ferimento no começo, mas instantes depois agia como se tivesse esquecido dele, quebrando um dos minérios dourados que trazia para continuar o tratamento interrompido. Byron respirou forte, pensando em como Tornero parecia estar fazendo aquilo --- justamente o tipo de coisa que o dono da casa não podia fazer --- para provocá-lo.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora