Não posso ir embora

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A casa não era de um qualquer, isso qualquer um podia ver. Pequena mansão rosada bem decorada, os três andares eram separados na fachada por faixas de tinta azul. O jardim, saudável ainda que tímido, destoava da cidade amarelada e empoeirada.

Lamar punha as mãos na cintura o tempo todo, impaciente por algum sinal. Sonhava que num golpe de sorte veria uma parte do rosto da companheira, ou o pulso que fosse do filho, e que de memória, numa intuição que fizesse os sentidos explodirem em desconfiança, fosse capaz de reconhecê-los à distância. Até visitou Neborum quando pareceu que Dier ia passar mais uma eternidade simplesmente avistando as redondezas --- mas descobriu, enrubescendo com um misto de vergonha enraivecida e orgulho ferido, que nunca tinha visto o castelo da mulher. Ou o do filho.

Parte da fantasia era Dier simplesmente deixá-lo sair correndo atrás da família.

Mas ele já estava mais perto deles, e com o resto estava decidido --- estava obrigado --- a se preocupar depois.

Dier resolveu se mexer, com Lamar quase tropeçando em seus calcanhares ao segui-lo caminho acima. Bateram à porta, e foram atendidos por uma senhora com roupas marrons de linho bem ajustadas e um sorriso lento.

--- Pois não?

--- Faobo está? --- Pediu Dier.

--- Podem entrar, eu vou avisá-lo. --- Disse, abrindo mais a porta e saindo do caminho. --- Quem devo dizer que deseja falar com ele?

--- Meu nome é Dier, mas ele não me conhece. --- Inspecionava a sala com olhares rápidos, buscando resumir numa impressão o dono do lugar. Tornou a olhar para a mulher quando viu, depois de um certo silêncio, que ela não considerava a resposta suficiente. --- Quero fazer negócios com ele.

--- Fiquem à vontade. --- Disse ela, assentindo com gentileza antes de subir as escadas.

Lamar seguiu seus passos com o canto dos olhos, esperando que por detrás de todo o marasmo houvesse um plano bem arquitetado. Secretamente esperava que ela virasse, mesmo que só o pescoço, de leve, e dissesse alguma coisa --- que delegasse a tarefa a uma certa Myrthes, ou que lembrasse que antes disso deveria, veja só, falar com a Myrthes, aquela Myrthes, sobre algo que, interrompida pelos visitantes à porta, ela esquecera.

Ou os levaria diretamente à Myrthes, que tratava das questões chatas do cotidiano de Faobo por detrás de uma escrivaninha tranquila. Ou os levaria diretamente à Myrthes, que... Esteve esperando por eles o tempo todo. Ou algo assim.

Um grande plano para um reencontro e para se livrarem de Dier. Seria pedir demais.

--- Ele não me parece tão rico... --- Comentava Dier, olhando para o sofá pálido que ocupava a amplitude da sala.

--- Ele está a espera no escritório. --- Disse a empregada, descendo as escadas.

Sorriu para Lamar ao passar por ele. O alorfo olhou para trás ao passar por ela escadaria acima, esperando que ela fizesse algo a mais; suas expectativas mais irreais sempre encontravam um caminho de volta aos nervos do corpo. Ela não se virou para ele. Não houve piscadela, segredo ou sinal.

Dier, que nunca estivera na casa, provavelmente se guiava por Neborum em direção ao próximo castelo da vizinhança. O quadrado que servia de corredor, cujo piso estava escondido abaixo de um tapete verde com sólidos círculos vermelhos, dava acesso a várias portas. O preculgo escolheu a correta, e entrou marchando sobre a sala aconchegante.

Só havia um homem ali, que aparentava ter sessenta rosanos, mais ou menos. Sentado e voltado para baixo com a seriedade de quem escrevia uma carta de suicídio, embora tratasse de papeis de comércio que Lamar não conseguia ler à distância, era difícil avaliar exatamente quem ele era. O cabelo preto raso e encaracolado por cima da dura pele morena estava voltado para trás das orelhas. Seu nariz relativamente grande acima de um maxilar cheio e desbarbado apareceram, costurando em caráter emergencial um sorriso amigável quando ele deu por terminado o que fazia.

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