Retorna a um lugar novo

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Os yutsis não se revigoravam com comida a mais, muito menos com promessas de descanso. Com passadas pesadas e cabeças abaixadas mostravam o quanto precisavam parar; faziam barulhos cheios de intenção, parecendo dispostos a aprender a língua dos humanos, se preciso fosse, para poder pedir por piedade. Por sorte não tiveram um caminho muito mais longo até o portão oeste da muralha ao redor do centro da cidade. Sorte deles, mas também dos viajantes.

Ao sair da charrete, Richard analisou as defesas da cidade natal. Viu arqueiros ao longo do portão e suas laterais. Imaginava armadilhas e desvantagens na passagem até o outro lado, além de pelo menos um pequeno destacamento de infantaria sempre pronto para o contra-ataque no caso de uma invasão.

--- Richard...

Virou o rosto para Jen, que acabava de descer. Ela sorria com candor, e o chamava para a estranha despedida. Certamente não eram, ao dizer adeus, as mesmas pessoas que há pouco mais de trinta dias disseram olá. Gregor parecia ter ficado com o braço um pouco mais grosso, embora Richard achasse que aquilo era difícil. Jen havia mudado também, especialmente nos últimos dias de pântano; seus olhos estavam mais vagos, e sua boca, mais cautelosa. Seu cabelo ainda era loiro, mas a camada de sujeira por cima dele parecia não deixá-lo mais --- a pesquisadora já estava quase se tornando uma jovem grisalha, e tanto os óculos quanto as endurecidas linhas de expressão não ajudavam a reduzir a tendência.

Richard, escuro e magro como sempre, não era capaz de ver a mudança em si mesmo. Respirava mais fundo, carregando um peso cuja culpa dividia entre, por um lado, saudade; por outro, reticência quanto a ir embora da área de pesquisa.

Apertou a mão de Gregor, que não saiu da carroça mas se abaixou.

--- Obrigado pela charrete.

--- Não tem de quê... Você vai precisar mais que nós agora.

O arqueiro olhou de relance para um dos sentinelas nos pavimentos da muralha.

--- Somos oficialmente inimigos.

--- Já somos há um tempo. --- Corrigiu Richard. --- Para quem já quebrou as regras por uns dias... Não tem problema continuar por mais um, eu acho.

--- Obrigada por tudo, Gregor. --- Resumiu Jen. --- Obrigada mesmo.

--- Tudo bem. Obrigado também. Adeus.

Jen quis melhorar seu implícito adeus, mas quando finalmente chegou a uma boa frase o guerreiro já estava longe, e os dois, do lado de dentro do muro. Torceu para que na intimidade e sensibilidade de um guerreiro ruim de retórica também vivesse alguma vontade de dizer mais do que foi dito.

***

As ruas funcionavam como braços e pernas imobilizadas, tensionadas, com músculos retesados prontos para o trabalho duro. Era como a preparação de uma festa, exceto que festas como aquela provavelmente nunca aconteceriam em Ia-u-jambu em centenas de rosanos.

Os vendedores pareciam ansiosos, berrando com pulmões atarefados ofertas tentadoras. Os compradores não estavam em menor número, e logo caminhar por avenidas e nódulos de comércio provou-se uma má estratégia. Nos bairros menos ricos, ondas de mendicância chegavam a cercar a dupla --- era assim que Richard, que as dispersava com vigor, provavelmente as via: forças furiosas como a água, que só faziam atrapalhar. Jen fugia deles, esgueirando-se o quanto podia por entre as crianças esquálidas, os adultos esfarrapados e os velhos doentes. Não andava mais com a segurança de outrora, muito embora soubesse que Richard também dependia dela para seguir o caminhar com a coluna reta e respeitável. Havia algo naquele chão que a fazia lembrar-se de como era viver em Ia-u-jambu, o que era bom, mas ela olhava demais para ele agora. Não estava confortável com aquilo.

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora