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Acordar foi a pior coisa que Lamar fez.

Não sabia se estava encostado numa parede pelo ombro ou deitado no chão; ficou feliz por um segundo ao reconhecer os braços livres, mas logo sentiu um arrepio tão profundo que contorceu toda sua espinha.

Chão. Definitivamente estava no chão.

Mexeu os braços, espreguiçando-se; no final do bocejo (que fez as costas doerem de novo) abriu os olhos e percebeu a visão turva. Havia luz vindo de alguma janela, e a parede alaranjada --- teto --- tinha um lustre singelo, mas que Lamar achou bonito.

Piscou algumas vezes, e foi como ver o lustre pela primeira vez de novo. Sorriu.

--- Já lembrou de mim? --- Perguntou Dier.

Lamar se arrastou num reflexo animal até bater em um sofá azul. Tudo pareceu ficar mais escuro, e ele percebeu melhor onde estava.

Era uma casa com mobília rara, mas em bom estado. O sofá escuro de dois lugares em que encostava estava colocado em frente a outro, de três lugares, em que o homem de curto cabelo escuro e resto de corpo pálido, das unhas aos lábios, o observava sem calor.

--- Dier...

Ele balançou a cabeça, paciente.

Lamar lembrou de Nereda.

--- Não... --- Fechou os olhos, os cotovelos fracos começando a tremer ao sustentar o peso de seu tronco contra o chão. --- Por que você fez aquilo?

--- O quê?

Lamar sentia-se ainda um pouco tonto; um calor pior que o arrepio na coluna percorreu seu corpo na direção contrária.

Estava sendo dominado por ele?

--- O que você fez comigo? P-por que... Por que eu não estou mais amarrado?

--- Você não vai fugir. E se fugir, vou caçar você e fazer o que eu fiz com o seu amigo. Seria pelo mesmo motivo, aliás, e acho que isso responde a sua pergunta.

Dier colocou a perna cruzada no chão e apoiou-se sobre os joelhos. Estava longe de Lamar, mas alguma coisa naquela posição fez Lamar se retrair para mais perto do sofá.

Mesmo assim, ainda achava que era melhor ficar onde estava.

--- Os magos frequentemente são atrapalhados pelos alorfos e pelos filinorfos. --- Começou ele, didático, mas com um olhar que dizia sem meias palavras que não explicaria de novo. --- O problema com vocês é que vocês não têm raízes. Não têm nem muito a perder, e ameaçados tornam-se mais violentos. Ou mais incômodos. Como não é possível negociar com vocês, temos que matá-los.

Lamar não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

--- C-como...

--- Quieto. --- Ordenou Dier. --- Os magos se contentam com pouco. Quando prendem ou matam um de vocês, alorfos, se satisfazem com o resto da turma nas "aulas" de vocês. Com os filinorfos vão atrás do grupo todo, mas o grupo é sempre pequeno. Mas vocês continuam surgindo, de novo e de novo. Quando são eliminados, outros aparecem depois.

A cabeça de Lamar parecia uma batalha entre as milhões de respostas enraivecidas que gostaria de dar àquilo e a prudência que lhe mandava ficar quieto.

--- Vocês formam uma rede. São uma organização muito parecida com a dos bomins e preculgos no começo da formação deles. Especialmente a dos bomins.

Lamar queria subir ao sofá, mas desistiu da ideia.

Como exatamente Dier queria comparar alorfos a bomins?

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora