Guerra e planejamento

1 0 0
                                    

Não havia espaço aberto grande o bastante para discursos como aquele em Al-u-ber, então a estratégia era falar do ponto mais alto da cidade. A Bela Torre ficava logo à frente das praias pedregulhosas, e em geral sua utilidade era mais pragmática que administrativa. Pessoas subiam até a sala mais alta para apreciar a vista, e em algumas salas abaixo ficavam observadores do porto, que avisavam sobre a situação das águas que conseguiam monitorar. A subida envolvia muitas escadas, mas para eles e para outras pessoas importantes não apenas uma série de corredores ligava torres vizinhas ao meio da Bela Torre como também havia um sistema de elevação que, apesar de requerer certo esforço por parte de trabalhadores especializados, era capaz de transportar várias pessoas para cima e para baixo em um ou dois minutos.

Amontoando-se na região da Torre estava a população de Al-u-ber --- não completa, é claro, mas formada principalmente por moradores da jir central e arredores. Ocupando cada corredor, varanda, saguão e espaço aberto, ouviam o discurso amplificado da mestra do Parlamento da cidade sobre o anúncio que receberam no dia anterior.

--- Isto é algo pelo que esperávamos há muito, muito tempo! --- Dizia a mestra, gesticulando forte sem que isso fosse visto com muita nitidez. --- Isto é exatamente o que faltava, homens e mulheres de Heelum, para que o mundo fosse encaminhado na direção da justiça. E Al-u-ber caminhará junto com Heelum nesse caminho que, desde que a luz se foi, é cada vez mais difícil de ser trilhado...

Joana, André, Gabriel e Luana misturavam-se aos ouvintes nas ruas aos pés da Bela Torre. Faziam como todos, que no começo olhavam para o alto, de onde vinha a voz, mas como o pescoço ficava logo cansado passavam a olhar para a frente e concentravam-se apenas em ouvir. Alguns, encostados à parede, fechavam os olhos; outros, no meio da multidão, conversavam com os próximos e reagiam a desconhecidos, gerando grandes comoções nos pontos altos do discurso.

Visitar Neborum em meio a tanta gente parada era como ir para outra cidade --- uma, aliás, muito parecida com Al-u-ber, com todo o seu cenário arquitetônico, com a diferença de que cada castelo estava ilhado em muros ao invés de interligado.

Algumas pessoas, notou Joana ao seguir uma delas com os olhos, perambulavam pelo povo a esmo, parecendo mais atentos aos ouvintes no chão do que à maga no céu. Se alguém os seguisse veria que faziam movimentos circulares, tentando percorrer todos os lugares, parando em bolsões de população de tempo em tempo. Não para escutar; paravam e continuavam olhando para o lado, desconfiados e arredios.

Quem Joana seguia era um preculgo careca e mal encarado; devia ser forte e estar vestindo algo verde, mas como era baixo, só o que ela via era sua cabeça em meio ao mar de chapéus e cabelos. Sabia que tipo de mago era porque em Neborum via seus movimentos cirúrgicos replicados em cada castelo das redondezas: esgueirava-se pelos muros, gerando uma chave após algum tempo estudando o castelo, invadia o alvo e saía dali em pouquíssimo tempo, pronto para repetir a fórmula.

--- Tem vários iguais a ele por aí. --- Comentou André.

Os filinorfos reuniam-se no castelo de Joana. Garantindo-se contra olhos curiosos, sentavam-se em poltronas mais para dentro da varanda de onde a dona do lugar já acuara dois ou três outros preculgos que, se não tivessem visto a maga a partir da porta, tentariam entrar o mais rápido possível e fazer ali também o que seguiam fazendo nos outros castelos.

--- Bom era deixar um entrar para ver o que eles fazem... --- Sugeriu Luana, distante.

--- Não, é arriscado. --- Cortou Joana. --- Mas tu sabe o que eles fazem. Eles fazem todo mundo gritar e aplaudir esse discurso.

--- Não. Fazem todos concordar com o discurso. --- Consertou Gabriel. --- Gritos e aplausos são uma consequência... Possível.

--- Eles são muito coordenados... --- Disse André, passando a apoiar os cotovelos nas coxas. --- O Conselho dos Magos não deu nenhuma instrução para eles e eles já sabem exatamente o que fazer?

A Guerra da UniãoOnde histórias criam vida. Descubra agora