Dois dias depois estou sentado no estacionamento da clínica onde Ati trabalha, gostaria de estar com uma garrafa de whisky, mas até minha bebida favorita parece amarga no dia de hoje. Fabrine, sua mãe, Ati e Aretha estão lá dentro.
Me avisaram que o precedimento é simples, rápido, Fabrine ficará bem. Eu gostaria de sentir mais raiva, de ter mais ódio no coração, mas não consigo, além de respeitar o direito de escolha do sexo feminino, não quero que meu filho seja um problema, eu não quero assim.
Eu quero que alguém fique feliz de carregar minha semente, quero uma mulher que seja louca por mim e que adore ver meus traços no bebê, quero que meu moleque seja celebrado, quero que meu filho veja.
- Ei, posso me sentar aqui? - Ati diz.
- A calçada é pública.
- Quer conversar?
- Sobre o que você acabou de fazer ou sobre o que você me impediu de ter.
Ati não responde, na sua roupinha de médico ela senta na calçada e puxa do bolso o cigarro e o esqueiro.
- Você tá chorando?
- Fala o que você quer me dizer. - ela manda sem responder à minha pergunta.
- Eu seria um pai muito melhor do que vocês, eu não mentiria, não enganaria e não faria nada por egoismo, nada pensando em mim. Tudo seria para ele! Eu daria conta dele sozinho se precisasse, eu não precisaria de vocês ou da Fabrine e a família dela pra trocar uma fralda! Foda-se todos os vocês!
Termino de dizer e limpo meus olhos do suor que escorre.
- Vocês são péssimos pais, péssimas pessoas, eu não preciso de ninguém. - completo.
- Fred, o bebê tinha 99% de chance de nascer cego.
- Mas...
- Mas porra nenhuma, a Fabrine odeia ser cega, ela luta para que a vida seja mais do que isso, mas se fosse perguntada preferiria não ter nascido, esse é um peso que a mãe dela carrega todos os dias e que a Fabrine não queria carregar.
- E eu?
- Você? O moleque de 19 anos que mora com os pais, se acha dono na verdade e não precisa de ninguém?
- Eu tô preparado para ser pai, para ter minha família, eu cuidaria do bebê, cego ou não.
Mamãe fica em silêncio, ela não é daquelas pessoas que ri ironicamente ou fala com superioridade porque é mais velha, acho que mesmo magoada tudo que diz passa por um filtro.
- Ser pai não é fazer tudo certo, é TENTAR fazer tudo certo, é errar mesmo que no seu coração a intenção fosse a melhor. É aceitar que nem sempre a verdade é possível, é fazer das tripas coração para amar, educar e proteger. Ser pai é se negar o tempo todo! Você não tá preparado! Especialmente porque pessoas donas da razão são péssimos pais!
Ela se cala, eu também. Os carros passam e as pessoas vão saindo da clínica, gente sã, gente doente, acompanhante, pacientes, tristes ou sorridentes. A vida que segue, é um dia normal para todos, menos para mim. Fito minha mãe, olhos de lama sem luz, tristes, cheios d'água, ela chora quieta.
- Vocês são péssimos pais! Ser melhor que vocês não é difícil. - eu digo.
Ele sacode a cabeça positivamente, provavelmente amargando minhas palavras.
- Pode ser – ela sopra a fumaça - mas alguma coisa eu e o Alemão fizemos de certo já que nosso filho adolescente tava decidido a abrir mão da juventude para cuidar de um bebê com deficiência.
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Fred 2.0
RomanceDepois de sobreviver a um atentado e descobrir desagradáveis verdades sobre a Família Frederico tenta se ajustar na companhia da irmã Aretha e um novo amigo. Multiplos pontos de vista narrativo, todos em primeira pessoa. O texto possui conteúdo adu...