Capítulo 4

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Tentei concentrar-me no que tinha à minha frente, no texto no computador que estava a escrever, relativo a uma pesquisa sobre o Havai, como forma de convencer os meus pais a lá irem nas próximas férias. Eu sei o que estão a pensar: "Mas ela está a fazer isto logo após terminar umas férias? Porquê?" Bem, a resposta a isso é simples. Querendo ter tudo bem preparado, preferi ter um ano de trabalho aprofundado, de maneira a não ter argumentos contra a viagem. E também assim posso sonhar um pouco mais, não?

O problema estava no facto de não ser capaz de me concentrar. Só conseguia pensar em Guida e no porquê de esta me ter dado o colar a mim e não a outra pessoa.

Deixei os meus pensamentos divagarem um pouco enquanto tamborilava suavemente com as unhas na madeira da secretária, até que dei por mim a recordar aquele dia. De um momento para o outro, as minhas batidas suaves na madeira tornaram-se pancadas fortes e rápidas de dedos, o meu coração em alvoroço pelas imagens nítidas.

Olhei de esguelha para o colar e lembrei-me de Fábio. Esse pensamento estilhaçou as memórias, enterrando-as onde estas pertenciam, lá bem no fundo da minha mente, numa caixa com uma frase a dizer "Por favor, não abrir."

Com Fábio no pensamento, levantei-me e dirigi-me à cama para pegar na minha bolsa e sair do quarto em direção ao céu azul. Necessitava de espaço, de sair da minha "zona de conforto" e de me afastar do que conhecia bem demais.

Chegando ao hall de entrada, agarrei nas chaves de casa, que estavam penduradas ao lado de todas a outras, e acelerei o passo para a garagem.

Ao lá entrar, observei o carro cinzento reluzente a que chamava de meu (um Jaguar). Na verdade o carro era do meu pai, mas, visto que tinha começado a tirar a carta mais cedo, já conseguia imaginar-me a guiá-lo. Ao seu lado, uma moto Yamaha YS 150 Fazer Laranja‏ (que pertencia ao meu pai) e duas bicicletas, uma da minha mãe, que a usava para os seus passeios, e a outra minha. Corri para ela.

Saí pela garagem em direção a lado nenhum em especial. Não tinha destino. Limitava-me a pedalar. A ir.

Conduzi a bicicleta durante trinta minutos sem nada fixo na mente. Tudo em que eu pensava, cinco segundos depois já lá não estava, saltando para outro tópico completamente diferente.

Depois parei. Terminado o meu transe, analisei onde me encontrava. O parque a que eu ia desde pequena encontrava-se do meu lado direito. Uma casa de jogos do meu lado esquerdo.

Decidi parar, com o objetivo de andar, relaxar e, sobretudo, de pensar... não sei bem no quê.

Saltei de cima da bicicleta e prendi-a com um cadeado. Dei no mínimo três passos antes de o meu telemóvel começar a tocar. A música da Pink "I don't believe you" pairou no ar. Era Clara que me ligava. Tinha sido ela a obrigar-me a pôr um toque único para ela, tal qual um símbolo.

Peguei no telemóvel e atendi ao segundo toque. O medo irracional cresceu dentro de mim, brincando, temendo o que viria daquela chamada.

– Estou?

– Sofia! Quem bom que atendeste. – O seu tom feliz cortou o meu medo, oferecendo um alívio gratificante.

– Então o que achaste do Alexandre, ele é giro não é?

Um arrepio correu a minha espinha.

– A sério que me ligaste para perguntar isso?

– Claro. – Foi a sua resposta.

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