Capítulo 26

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Encontrei o Samuel junto ao rio, sozinho, de costas curvadas e com uma pequena pedra na mão. Os seus olhos estavam distantes, perdidos e isso fazia-me doer o coração.

Avancei lentamente para ele. Pensava que ele não tinha dado por mim.

– Podes andar normalmente, eu não te vou fazer mal. – Não tinha deixado de olhar para o rio, o que me assustou quando se dirigiu a mim sem se mover.

– Desculpe... eu pensava que não tinha dado por mim, eu... eu posso ir-me embora se quiser.

Ele sorriu. Era lindo e muito jovem para a idade que tinha. Dava-lhe certamente uns vinte e cinco, não mais que isso. Na verdade, ele tinha uns 600. Era de louvar, estava muito bem conservado.

– Vem, senta-te ao pé de mim, jovem.

Engoli em seco e, calada pelo silêncio que tinha surgido entre nós, depois de ele dizer aquelas palavras, avancei. Avancei por entre as pedras e a relva, por entre as flores de cores vivas. Uma vaga familiaridade nascia enquanto caminhava por aquele lugar relaxante.

Sentei-me, silenciosa, e olhei para o homem que tinha abdicado de mim, para me proteger de algo que me era desconhecido.

– Do que queres falar comigo? – Foi Samuel a quebrar o silêncio com a sua voz cantada e doce.

– Como sabe que eu quero falar consigo? – Saiu-me, sem pensar, a pergunta ridícula. Interiormente, um muro estava a ser criado para eu me agredir, atirando-me contra ele.

– Conheço-te bem pequena. – Limitou-se ele a dizer, com o sorriso magoado.

– Por ser meu pai?

Isso acordou-o por completo. O seu sorriso magoado e triste deu lugar ao espanto. Os seus olhos azuis arregalaram-se, para desfigurar a sua beleza natural.

– Como sabes isso?

– Então, admite que é verdade...

– Não te vou mentir quando já sabes.

Acenei. Ele olhou de novo para o rio, pareciam cristais de uma beleza súbita com o pôr-do-sol.

– Sabes... sempre pensei que nunca te iria ver. – Sorria debilmente.

– Parece tão triste... porquê?

– Porque... – Suspirou. – Porque sinto falta de uma parte de mim.

– Uma... parte de si?

– Fazes-me tanto lembrar a tua mãe. Ela também não consegue esconder a vontade de fazer perguntas quando quer saber alguma coisa. Tive de a deixar ir por uma boa causa.

Ah... ele estava a referir-se à sua partida para o templo...

Riu, não como aqueles risos de felicidade. Foi mais um riso para desanuviar.

– Pode... falar-me dela? – Perguntei, hesitante.

Ele suspirou.

– A tua mãe, ela... ela é uma guardiã, pode-se assim dizer. Ela protege, com o seu poder, toda a cidade, todo o reino. E, como estamos em guerra agora...

– Porque é que estamos em guerra? – Interrompi-o.

– Porquê? Isto começou quando eu conquistei a terra de Mercúrio. Quando tu nasceste, ele soube e quis-te levar, para usar o teu poder para governar.

– Eu não tenho poderes.

– Tens, só ainda não os conheces, pequena. Se o Mercúrio te conseguir pôr as mãos em cima e em todo o teu poder, ele governará e tu morrerás...

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