– Podemos parar? Estamos há três dias a caminhar sem parar. Isto não é um salvamento, é tortura!
Alexandre apertou as têmporas. As queixas da Clara não paravam, desde que eles tinham começado a subir a montanha negra. Podiam estar um dia, pelo menos, adiantados, se as mesmas queixas não tivessem aparecido quando se encontravam no trilho dos bosques do sul. Assim que viu a primeira casa de uma aldeia, um pouco depois do bosque terminar, obrigou-os a parar. Ele esteve tentado a abandoná-la lá, se os outros não tivessem concordado e ele não necessitasse da ajuda deles.
O vento que se começou a formar deslizou por ele como gotas de chuva. Passava por eles, não ligando a quaisquer barreiras que surgiam à sua frente. O vento ultrapassava-as sempre.
Continuaram a caminhar pelo monte negro, ignorando as incessantes queixas de Clara, até à entrada de uma gruta.
"Porque é que eu decidi não trazer uma pistola, mesmo?", perguntava-se, naquele momento.
– Finalmente! – Guinchou ela.
A paisagem que os cobria tinha mudado drasticamente, saltando de campos verdes e perfumados com um belo céu azul, sem nuvens, para uma paisagem sombria, morta e coberta de cinza e do cheiro pérfido da morte.
– Isto... é nojento. – Começou ela, assim que se aproximaram o suficiente da entrada da gruta.
– Não vais começar, pois não? – Perguntou o Carlos. – Já bastaram os últimos dois quilómetros a subir. Encontrámos uma gruta, lida com isso.
Ela olhou para o irmão, chateada. Notava-se que a vontade de o eletrocutar era imensa.
– Mas aquilo é uma gruta coberta de coisas asquerosas e nada higiénicas.
– Cala-te, Clara, não estás a ajudar. – Informou-a o Hugo, ao mesmo tempo que cobria o rosto com as mãos, para o proteger da tempestade de cinzas que se acabava de formar. – Ou entras para a porcaria da gruta ou ficas coberta de cinzas dos pés à cabeça, não me interessa. – E seguiu um Alex silencioso para o interior da gruta.
Alexandre matutava um plano. Já não estavam muito longe do palácio, pelo menos era o que ele achava. Só lá tinha ido uma vez, quando ainda era um jovem anjo em formação para se tornar no Tecton que os deuses tinham designado. A sua memória era muito vaga. Para além de saber que o castelo era negro e sombrio, e que estava protegido pelas montanhas, pouco conhecia.
O problema era que, para o lado sul, quase tudo era negro e sombrio, e isso não ajudava.
– Ora bem. – O Tomás sentou-se e encostou-se à parede da gruta. – Diz-me, o que vamos fazer a partir daqui?
Ele não ouviu a pergunta. A luta que travava com a sua memória estava a ter mais baixas do que o desejado. Quanto mais pensava nisso, menos sabia o que fazer.
Um forte abanão trouxe-o de volta. O Hugo observava-o, deveras preocupado.
– Sentes-te bem? Pareces doente.
– Talvez seja a cinza que ele tem na cara que te leva a pensar isso. – Resmungou a Clara.
– Eu estou bem. Estou... a tentar lembrar-me de como se chega ao palácio a partir daqui.
– O quê? Isso quer dizer que não sabes o caminho? – Interrogou a Clara, num tom acusatório. Ele nunca tinha conhecido pessoalmente a verdadeira Raikan, mas tinha ouvido histórias e, pelo que já tinha visto da Clara, a personalidade tempestuosa batia certo com a sua anterior pessoa.
– Não, quer dizer que não me lembro, é diferente. Além disso, estou exausto e, acima de tudo, preocupado com a Sofia. Ela não está num lugar seguro.
– Achas que o Mercúrio a mandava raptar para a matar assim, sem mais nem menos? – Perguntou a Marta, suavemente.
– Não seria sem mais nem menos, Marta. Bom... não a mataria logo, mas vai fazê-lo. Depois de ter o que quer, certamente, irá fazê-lo.
– A Sofia é destemida, não se vai deixar vergar por ele. – Informou o Carlos.
– Sim, mas é de um monstro que tem séculos de experiência de que estamos a falar. Ela não irá ter grande escolha se não vergar. Eu já vi o que ele faz aos seus inimigos. E a Sofia não é um inimigo qualquer, é um especial. Não podemos prever o que lhe irá acontecer. Ela já lá está há três dias, não sabemos o que iremos encontrar quando chegarmos até ela.
– Esta conversa está a deixar-me gelado. – Dizendo isto, uma bola de fogo foi criada por Rúben. - Que tal uma fogueira?
Todos olharam para ele.
– O que é? – Perguntou o Rúben, na defensiva. – Não podemos fazer muito mais agora. Se queremos salvar a Sofia, temos de não morrer de frio. Ao menos, estaremos quentes, e isso vai, certamente, ajudar-nos a pensar melhor.
Dito isto, Rúben tentou encontrar um tipo de suporte para a chama. Infelizmente, não havia nada.
– OK, alguém vê madeira por aqui? Nem que seja um pauzito minúsculo?
– Viste alguma árvore enquanto subíamos? – Questionou-o o Tomás.
– Não.
– Então como pensas encontrar ramos de árvores?
– Tens alguma vela?
– Não.
– Então, porque é que achas que perguntei isto? – A luta de palavras estava a tornar-se feroz. Ao que parece, o frio e a sujidade faziam isso às pessoas.
– Espera, eu mexo com a terra... talvez consiga alguma coisa, não? E o Hugo também poderia criar a ilusão de calor.
– Se o Hugo fizesse isso, só iria conseguir que tivéssemos uma morte mais agradável. – Disse o Alex. – Mas isso da terra podes tentar. Lá fora, talvez encontres, no subsolo, alguma parte de árvore morta e coberta de cinzas.
E o Carlos assim o fez. Demorou... bastante, mas, perto de uma abertura entre a montanha, que criava dois picos gémeos, ele conseguiu extrair raízes fortes o suficiente para a fogueira.
– Uma abertura na montanha? Isso é possível? – Perguntou o Daniel, aninhando-se junto ao fogo.
– Aqui tudo é possível.
– Mas quando nos dirigíamos para aqui, eu só vi um cume de montanha, não dois. – Constatou a Clara.
– Isso é porque o segundo cume está escondido pelo primeiro. Tu viste a montanha de um lado, digamos assim. – Disse Alex, meio alheado. Encontrava-se em modo automático.
Os dois cumes... é isso!
Sem perder mais tempo, Alex levantou-se e puxou o Carlos para cima.
– Vem comigo, mostra-me esse segundo cume.
Ainda tiveram de andar um bocado, mas ali estava. A abertura da montanha, que se dividia e dava início ao pico gémeo.
– Fica aqui. – Ordenou.
O Carlos nem teve de responder. Limitou-se a cravar os pés na terra negra e a vê-lo afastar-se, em silêncio.
Quando Alex entrou pela abertura, sorriu. Ali estava ele.
Muito mais abaixo, envolvido pela montanha, tal qual um muro, ele viu o que procurava. O palácio, que, com o dia a passar o seu testemunho à noite, era quase impercetível, mas imponente.
Alex virou as costas ao lugar e voltou para o pé de Carlos.
– Avisa os outros que a estadia deles no hotel terminou.
Acenando, o Carlos virou-se e correu para a gruta.
O sorriso do Alex era quase demoníaco.
Aguenta só mais um pouco, Sofia. O inferno está quase a terminar para ti.
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Cidade Oculta
FantasySofia é uma rapariga de 17 com uma vida relativamente normal. Está com os amigos, a família e com o seu guarda costas que a segue para todo o lado. Até que recebe um estranho colar de uma vizinha invulgar e conhece um rapaz misterioso que a faz...