Capítulo 31

119 17 3
                                    



Chegámos à tribo, encharcados em suor, depois de tanto corrermos.

O panorama com que nos deparámos era de puro caos. Um grupo de habitantes da tribo reunia-se em círculo, tapando alguém que estava caído. Aproximei-me a correr, para encontrar a Raquel deitada no chão, com uma ferida horrível no ombro. Tinha sido mordida. Da ferida escorria, além do sangue, uma substância preta e repugnante. A vontade de vomitar aumentava a cada respiração.

– O que aconteceu? – Perguntei, chocada.

– Dérnarius... – Respondeu a Maria, entredentes.

Olhei para ela, sem perceber, mas, depois, lembrei-me: os demónios. Um demónio tinha atacado a Raquel.

– Mas como? – Inquiriu o Alexandre. – Supostamente, ela devia saber defender-se.

– Ela iniciou os treinos recentemente e saiu sem nós darmos por isso. A culpa é toda minha. Eu devia estar de olho nela. – Maria tinha os olhos marejados, fixos na irmã, estendida aos seus pés.

– Eles estão a começar a ser menos discretos... algo deve estar a acontecer, ele está a planear algo. – Constatou o Alex.

Será que ele estaria a falar do tal Mercúrio? Provavelmente.

Uma idosa, que se parecia manter em pé só por causa do cajado que segurava na mão direita, aproximou-se do grupo. Enxotava as pessoas como se fossem abelhas, enquanto dizia obscenidades.

– Será que estes jovens agora nascem surdos? Deixem esta velha carcaça passar, porra!

Conseguiu chegar ao centro do círculo e, com a ajuda do cajado, pôs-se de joelhos ao lado da Raquel. Depois de uns dois minutos, acabou por dizer:

– Levem-na para a gruta. É mais grave do que supunha. Isto irá demorar.

– Quem é ela? – Sussurrei para a Maria.

– A Xyla? É a Matrona da tribo. É a metamorfa mais velha, e por isso é como a nossa oráculo... e a nossa curandeira. A minha irmã Mikaila irá sucedê-la quando ela já não for mais capaz de o fazer.

– Estou a ver...

Dois homens corpulentos levaram a Raquel com o máximo dos cuidados. Em comparação com a pele morena deles, ela parecia muito pálida. Demasiado pálida.

Ficámos nos nossos lugares, seguindo-os com os olhos, até os perdermos de vista.

...

Não tínhamos notícias do estado da Raquel desde manhã. O que era muito tempo, visto já estarmos a jantar.

Uma voz dentro de mim dizia-me que ela não ia sobreviver e isso deprimia-me. Porém, uma outra voz vinha de espada em punho, em direção à pessoa deprimente no meu cérebro, para a chacinar. Ela ia conseguir, era forte, era uma lutadora, era uma raposa, caramba. Aquilo tinha de servir para alguma coisa, não?

O silêncio enervante que nos envolvia deixava-me ainda mais deprimida e isso deixava-me furiosa.

Quis levantar-me e sair dali, mas a mão do Alex e o seu olhar mandaram-me ficar quieta. Estive para ripostar, mas contive o meu mau génio.

...

Ela não sobreviveu. A porcaria da voz deprimente tinha razão. O ferimento era tão grave que ela morreu, esvaindo-se em sangue. A Xyla nada pôde fazer para o estancar.

Corri para longe de tudo e de todos. Necessitava de estar sozinha. Até agora, com tudo o que me tinha acontecido, eu sentia que estava a viver um sonho, do qual iria um dia acordar e me rir. Mas a morte da Raquel tornou aquele sonho num pesadelo, porque o tornou real. Aquela estupidez toda de guerra tinha-se tornado mais real do que nunca e isso deixava-me num completo pânico.

Parei junto da cascata. As lágrimas que eu não sentia escorrerem-me pelo rosto caíam em catadupa. Lutava por respirar de maneira normal, mas era impossível.

Queria sair dali. Queria que o pesadelo passasse. Porque é que não podia ter amnésia seletiva?

Olhava, com a visão turva, por causa das lágrimas, para a água que corria em força, à minha frente.

Uma mão de dedos longos, dedos roxos, tapou-me a boca com força.

– Encontrei-te. Agora não me vais fugir. – Era uma mulher, até aí consegui perceber.

Lutei, com as poucas forças que tinha, contra aquelas mãos, que me agarravam e não me deixavam ir. Tentei usar os poderes, como o Alex me andava a ensinar. O que conseguir foi levantar uma folha.

Antes de levar o golpe que me deixaria inconsciente, vi um vulto a correr na nossa direção. Alex.

– Sofia!

Quis gritar por ele também. Queria correr para ele. Mas aquelas mãos eram possessivas. Tinha-me tornado presa e a minha predadora, com um golpe de mãos, bateu-me na nuca e levantou voo. Apaguei completamente.

Cidade OcultaOnde histórias criam vida. Descubra agora