Capítulo 3

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Nunca me senti tão revoltada comigo mesmo até àquele momento. Porquê é que fiz aquilo? "Honestamente Anna, tens que lhe contar. Não não tens, nunca lhe podes contar nem a ninguém." O meu subconsciente começa a travar uma luta contra mim e acabo por desistir de pensar e reler pela décima primeira vez o romance Anna Karenina.

Que inveja que tenho dela, tinha dois homens que a amavam completamente, tinha um bom casamento, um bom papel na sociedade, um bom estatuto, e por amor arrisca isso tudo. Talvez não tenha assim tanta inveja, afinal o consumo desse amor levá-a a suicidar-se. Amor estúpido e louco, que nos leva a fazer as maiores loucuras.

Quando olho para o relógio de pulso reparo que são quase nove da noite, e não tinha mais notícias dele. Será que ele está bem? Tenho que parar de pensar agora mesmo nele. Ele não gosta de ninguém, apenas da... Nicole. Ele gosta da Nicole.

"Anna! Queres vir sair e comer algo?" A voz da Rebecca afasta-me os pensamentos dele.

"Hum... Sim, claro, porque não." Se é para estar miserável mais vale estar miserável sem fome.

"Até parece Anna." Lá está outra vez o meu subconsciente a troçar-me.

....

Conduzimos até a um restaurante muito anos 50, um retro vintage, com bancos de pele plástica almofadada plástica, placas neons, e pin-up girls nos posters. Sem dúvida um recuo no tempo.

A Rebecca dirigi-se para uma das mesas do fundo, e eu acompanho os passos dela como uma sombra. Quando chegamos à mesa noto a presença do Andrew, de outros dois rapazes, da Nicole .... e do Nate que está agarrado à cintura dela. O único pensamento que me vinha era fugir por ali a fora ou enterrar a cabeça no balde de nachos que estava à minha frente, mas não lhe ia dar esse gostinho. Ele não me afecta.

"Anna, certo?" Pergunta-me um rapaz de cabelo loiro e olhos azuis.

"Sim, olá." Respondo envergonhada.

"Não te lembras de mim, pois não? Matt, conhecemos-nos ontem à noite na festa."

"Sim, claro, como é que me esqueci." Sorrio para esconder a minha vergonha e o facto de não me lembrar do nome ou do rosto associado a este.

"Sou o William, prazer em conhecer-te." O outro rapaz ao lado do Matt apresenta-se com um sorriso enorme e dentes perfeitos.

"Olá, Anna." Respondo educadamente.

Enquanto que a Rebecca senta-se ao colo do Andrew, eu sento-me ao lado do William e o do Matt, em frente ao Nate, que decidi começar a trocar fluídos orais com a Nicole. Automaticamente desvio o olhar e começo a responder às questões que o Matt estava a fazer. Ele parece genuinamente uma boa pessoa, carinhosa e alegre, ao contrário do Nate.

"Outra vez a pensar nele?" Cala-te subconsciente.

Uma empregada vestida quase como uma das pin-up girls dos posters vem anotar os nossos pedidos, e os meus olhos deslizam até ao Nate e à pseudo-badalhoca-namorada, ainda agarrados um ao outro, ela com a língua enfiada na boca dele que parece que quer chegar ao esófago e ele com as mãos a deslizar para os glúteos. Idiota.

Passo o resto da noite a olhar para o meu prato e para o Matt, tentando evitar olhar em frente, não lhe queria dar o gosto de ele notar que aquilo irritava-me. Ocasionalmente também observava a Rebecca, que parecia entretida a falar com todos, sem dúvida que é a alegria do grupo e já desenvolvi um grande afecto por ela. É parecida comigo e ao mesmo tempo é tão "selvagem".

Quando todos acabam as refeições, que foi um milagre o Nate conseguir acabar com a língua da outra o tempo todo colada à dele, vamos andando até ao parque de estacionamento.

"Anna, eu, o Andrew, o Matt e o William vamos a uma festa aqui perto. Queres vir connosco?" Pergunta-me a Rebecca.

Não, não queria mais festas, nem mais aparência em público com um monte de bêbados a sufocarem-me. Quero ir para casa, quero ir para longe do Nate e da Nicole e quero ir descansar. Mas sei que ou vou com eles ou vou sozinha para casa.

"Não, obrigada, eu vou para os dormitórios." Respondo educadamente.

"De certeza?" A Rebecca adora insistir.

"Sim."

"Eu posso-te levar até lá se quiseres." O Matt oferece-se imediatamente.

"Eu levo-a." A minha alma ficou parva.

"Eu posso..."

"Não, eu levo-a." Interrompeu a palavra ao Matt.

"Mas Nate, eu também quero ir à festa..." Choraminga a Nicole aproximando-se dele.

"Vai com eles que eu depois vou lá ter." Que resposta tão fria Nate.

"Eu quero ir contigo!" A Nicole parece uma criança a bater o pé.

"Nicole... Vai com eles, porra."

Ela finalmente desiste de insistir e dirige-se ao carro do Andrew enquanto eu me despeço do resto. O Matt pede-me o número de telemóvel para se verificar que eu fico bem sozinha numa sexta à noite, e despede-se com um beijinho na bochecha caloroso. O William dá-me dois beijinhos e a Rebecca diz um simples "até logo".

Assim que me viro para trás o Nate está encostado ao seu carro e acene com a cabeça para eu entrar. Porque é que ele insistiu em levar-me a casa depois do que aconteceu à tarde? Deve querer gozar comigo ou ser mau.

Entro no carro e não digo nada, nem ele, um silêncio estranho e pesado mas que eu não me atrevo a interromper, tenho demasiado receio da reacção dele e não sei ao certo o que dizer.

Chegámos ao edifício dos dormitórios e ele desliga o carro.

"Desculpa." Desta não estava à espera

"Pelo quê?"

"Por me ter passado à bocado."

"Não parecias incomodado com a situação no restaurante." Quando estavas agarrado à Nicole.

"Tu deixas-me louco. Primeiro beijas-me, depois afastas-me e depois gritas comigo?!"

"Tu gritaste primeiro." Recordo-lhe.

"Isso é porque tens acções complicadas de compreender." Afirma furiosamente.

"O que é que as minhas acções interessam? Tu estás com a Nicole, seja a passar um tempo ou outra coisa do género, ela é a tua pseudo-porca-namorada." Eu acabei de ofender uma pessoa. "Eu não queria chamar-lhe isso..."

"Tu tens ciúmes da minha pseudo-porca-namorada? Deves estar a gozar comigo. Já disse, não fazes o meu género."

"Então pára de fazer isto. Ires ter comigo ao auditório, vires-me levar até aqui em vez de estares com ela. Também não fazes o meu, não sou atraída por idiotas presunçosos que gostam de raparigas fáceis!" Agora sim, estou furiosa e magoada.

"Foste tu que te atiras-te a mim e beijaste-me." Responde-me de forma a fazer-me sentir mais humilhada por aquele momento.

"Adeus." Abro a porta do carro e saiu disparada. Quem é que ele pensa que é para me fazer sentir assim? Ele mal me conhece, ele que vá arder no inferno enrolado com a língua longa da Nicole.

Subo as escadas do edifício a correr e abro a minha porta do quarto num ápice. Sou uma mulher livre, sou uma Anna Karenina e não vou ficar presa a algo sem amor. E isto foi a frase mais lamechas que o meu subconsciente já me enviou.

Pego no meu telemóvel e mando uma mensagem ao Matt a perguntar como está a ser a noite. Surpresa das surpresas ele acabou por não ir e estar a passear pelo campus sozinho. Cada vez parece ter mais interesses em comum comigo. E fez exactamente o que eu estava à espera de um rapaz educado, convidou-me para ir passear com ele. Ofereceu-se para vir ter comigo ao dormitório para não ter que ir à noite ter com ele a um campus que eu mal conheço. Nada que o Nate faria.

Enquanto o Matt não chega vou-me arranjando e tentar parecer minimamente decente das minhas jeans e na minha sweat  da Universidade. Solto o cabelo e tento meter um sorriso verdadeiro no rosto.

Finalmente há um bater na porta, a ansiedade invade-me o coração.

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