Capítulo 30

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Escuridão. Frio. Bipes. Sinto-me só. Sinto-me vazia. Quero me mexer, abrir os olhos, e ouço vozes ao meu redor. Por que não consigo me mexer? Não lembro. Vejo rostos. Vozes conhecidas.

– Boneca? – Minha mãe diz, abraçando-me e chorando.

O pânico começa a surgir, e é nesse ponto que vejo a figura do outro lado do quarto. Meu corpo estremece em reação, e meu coração começa a bater com força. Seu rosto está tenso, há remorso ali, e angústia. Ver a dor ali me machuca. Ele se afasta da parede e começa a se aproximar, seus olhos me analisando. Uma lágrima escorre pelo meu rosto quando abro minha boca e nada sai.

– Ah, eu acho... talvez você devesse sair. – Minha mãe sussurra para ele.

O homem hesita, olha para mim como se tivesse se perdido. Mas eu também havia me perdido em algum ponto.

– Não – Peço. – Não vá.

Os olhos dele saltam para minha mãe e voltam para mim, e por trás da profundidade daquele olhar há um novelo de emoções. Seus olhos avermelhados, e nada vai me convencer de que ele não sentou naquela cadeira no cantinho e chorou por mim. Esse homem me ama.

Ele aguarda e minha mãe relutante recua para nos dar um momento.

Ele fica ali, seu corpo vibrando de tensão enquanto tenta se segurar. Ele parece tão quebrado quanto eu me sinto. Meus braços doem e a impotência arrebenta-me por não poder passe meus braços em volta dele. Para que eu me aproxime dele, que o conforte, mas não consigo me mexer e a vontade de chegar perto está me sufocando, fazendo meu coração disparar.

– Você lembra? – ele pergunta, naquela voz dolorosamente suave que me faz fechar os olhos e recordar de tê-la ouvido. - Baby. - O timbre grave de sua voz me atormenta e me cura, ambos ao mesmo tempo. – Os médicos disseram que você poderia lembrar ou poderia esquecer algumas coisas.

Estou muda. Ele fica analisando meu rosto, a procura de qualquer sinal de reconhecimento, estendendo a mão, mas depois pensando melhor e recolhendo-a. Ele espera em silêncio. Um nó imenso de emoção se junta em minha garganta, e enquanto continuamos nos fitando ele parece cada vez mais desesperado.

Sinto-me fraca, mas consigo mexer minha mão o suficiente para que ele se aproxime e eu possa sentir sua mão na minha. Eu sinto sua pele, seu calor, penetrando-me. Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas.

- Desculpe-me. – Digo com dificuldade.

– Você se lembra de mim? Lembra, quem eu sou? O que você significa para mim?

- Desculpe.

Os pensamentos se misturam na minha cabeça, um depois do outro.

- Princesa. – Ousa uma voz conhecida, jamais esquecida.

- Pai. – Digo surpresa e emociona.

- Minha princesa. – Meu pai diz abraçando-me.

- Nem acredito que o senhor está aqui. – Digo beijando sua fase. – Eu tive quer ser atingida por um raio para o senhor sair do seu refúgio. – Brinco.

- Na verdade foi um carro. – Meu pai corrigi-me.

Eu não me lembrava de nada. Ninguém ainda tinha me dito o que me fez ir parar naquele hospital. Estava tão feliz por ver meu pai que esqueci do desconhecido. Desvio minha cabeça para procura-lo. Ele já estava na porta, saindo do quarto.

- Ei. – O chamo e ele se vira em minha direção.

Seus olhos pareciam tão perdidos quanto antes.

- Você é o motorista que me atingiu ou meu anjo da aguarda? – Digo divertida.

- Digamos que seu anjo da guarda filha. – Meu pai diz, dando umas tapinhas no ombro do desconhecido.

- Muito obrigado. – Digo estendendo minha mão para ele tocar-me.

Seus olhos repletos de ternura. Seu simples toque, me dá um arrepio, algo que me parece familiar e gostoso. Ele não diz nada, sinto que tem algo a dizer, mais se mantem calado, apenas se aproxima e me dá um beijo suave no meu rosto e vai embora.

- Adeus desconhecido. – Digo em silencio.


Uma semana depois...

Depois de uma semana recebi alta e fui levada para casa da minha mãe. Devo confessar que um mês na casa da minha mãe foi um tormento, mas eu precisava me recuperar para voltar a minha nova vida, depois de quase dois meses em coma.

Descobrir que Guilherme e eu, já não estávamos mais noivos, saber de sua traição foi um baque. Mas superei mais rápido do que eu imaginava. Quando Dani disse-me que eu havia realmente aberto mão da minha carreira de modelo, eu fiquei feliz, porem senti dificuldades de me acostumar ao novo ritmo de vida. Nossas lojas eram lindas. Praticamente comecei do zero. A pancada na cabeça fez um estrago da porra na minha memória e deletou muitas informações.

Mamãe estava noiva, supostamente já era para ter se casado, mais com o meu acidente ela decidiu adiar por mais um tempo. Discutir com minha mãe está fora de cogitação, ela era teimosa, muito mais que eu. Então desistir na terceira tentativa de convencê-la a seguir com os preparativos do seu casamento.

Papai havia voltado para índia. Ele realmente era agora um homem mudado, espiritualizado, não tinha mais nada a ver com aquele antigo homem engravatado e que muitas vezes era arrogante e autoritário. Até a mamãe acreditou em sua mudança.

Eu, Dani e Fabi, minha nova irmã decidimos viajar, ir passar uma semana na Espanha e assim eu poderia rever Marly e Gabriel, seria divertido e eu poderia me distrair e não ficar tentando entender o que me fez está no meio da rua e ser atingida por um carro. Poderia parar de ficar tentar recuperar memorias perdidas e tentar preencher espaços em branco.

- Não acho que isso seja uma boa ideia. – Mamãe diz durante o jantar, quando estávamos todos reunidos na mesa.

- Mãe o médico disse que eu posso fazer uma vida normal, posso viajar e até beber. – Digo a provocando.

- Esta é a melhor parte beber. – Dani a provoca ainda mais e ela bufa irritada.

O pobre no Jonnas se segura para não rir. Ele não seria louco de agir diferente, a mamãe ainda o estrangulava ali na mesa.

- Vai ser apenas uma semana. – Fabi diz despreocupada.

- Mãe não fique assim. – Digo me levantando e a abraçando quando percebo que seus olhos estão marejados. – Só uma semana, que mal tem nisso? – Ela soluça. – Eu sempre passei mais tempo viajando que em casa e fora que, a senhora acha justo depois de quase sete meses, eu continuar a ficar de casa - trabalho, trabalho - casa?

- Eu sei. – Ela diz afastando-me dela. – Eu só quero que você prometa que vai voltar na data marcada.

- Claro mãe. – Digo caindo na gargalhada e todos riem também, até a mamãe.


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