©apitulo| 《2》

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O

amor não com os olhos, com a mente. Por isso ele é calado, é cego e tão potente.

(Shakespeare)

°•°•°

Fiquei com a boca aberta. Eu não estava nem com a minha mala. Não tinha meus documentos. Não tinha um celular e nem dinheiro. Só podia ser uma piada! Não passei nem duas horas com aquele cara e ele me abandona no meio do nada, sozinha! Mas que grande e grossa massa de cocô.
Respirei fundo. Suspirei. Aspirei. E nada de me acalmar. Eu nem sabia onde estava, o que eu ia fazer?
Olhei para os lados, para frente e para trás. Quer saber? Eu não precisava de um armário ignorante para sobreviver. Eu dava o meu jeito, sempre dei.
Comecei a andar. Pelo menos o sol não estava mais tão quente. Nem eu estava com fome.
A medida que eu andava, a gravidade me puxava para baixo. Parei, levantei a cabeça para o alto e bufei.
--Eu nunca te pedi nada, mãe, então, por favor, me ajuda.
Eu acreditava que em algum lugar elas estavam me olhando, então confiava nas forças das minhas palavras. Era até irônico.
Pensei ter ouvido alguma coisa, talvez um motor, mas desisti. Era praticamente impossível alguém passar em um lugar como esse quase meia hora depois que Daniel. Só que mesmo eu desistindo e acreditando que era fruto da minha imaginação, eu fiquei lá, parada, olhando para ver se de repente era alguém mesmo. E eu juro que quase chorei quando vi um carro apontando a uns dez metros de onde eu estava. Uma caminhonete, para ser exata.
Quando ela estava perto o bastante, acenei para que a pessoa me visse ali. E ela viu.
--Está indo para onde? --Perguntou a mulher por trás do volante. Ela tinha olhos azuis e cabelos escuros amarrados em um rabo de cavalo. Vestia uma camiseta caipira e segurava uma latinha de cerveja. Finalmente alguém que sabe aproveitar a vida!
--Rud's bar. --Respondi, apoiada na porta da caminhonete.
--Eu não chego até lá, mas posso adiantar o caminho para você.
--Claro. --Sorri --Obrigada.
Ela destravou a porta para que eu entrasse. Me sentei aliviada.
--Cerveja? --Perguntou, me oferecendo uma latinha que aceitei de bom grado. --Então, como se chama?
E ainda gosta de conversar. Essa veio dos céus.
--Rebeka Steven.
Ela soltou o volante e estendeu a mão para mim.
--Samy Hungrans. É um prazer conhecê-la, Rebeka.
Ela tinha um sotaque caipira e seus olhos brilhavam para mim. Me identifiquei com ela.
--O prazer é meu. --Falei, sincera. Samy se virou para frente e abriu um pequeno sorriso.
Mulheres são bem melhores companhias do que homens. Ainda mais arrogantes como Daniel.

°•°•°

Samy e eu conversamos até a noite cair. Ela era muito legal. Tinha quase o mesmo gênio que eu. Na verdade, sua vida era quase igual a minha, apesar de ela ser cinco anos mais velha do que eu. Sua mãe também havia morrido e seu pai também a odiava. Mas ela tinha um irmão casado que morava em Mississippi com a mulher e os dois filhos. Eu nunca saberia o que é ser tia, mas ela disse que eu não estava perdendo nada.
Paramos em um bar cinco horas depois. Era pequeno, vazio e gelado. Serviam bebidas baratas, mas elas teriam de servir. Samy não me jugou pela idade, não pestanejou quando quis beber e não me proibiu de puxar assunto com o dono do bar que era o único ali além de nós duas. Estávamos conversando em um trio alegre e descontraído quando escutamos as portas de madeira baterem. Nós três olhamos assustados. Um homem completamente vestido de preto estava andando na nossa direção. Parecia um dos MIB. O mais velho deles.
--Boa noite, rapaz --Diogo, o dono do bar, se endireitou e olhou para ele que, desde quando entrou no bar, estava olhando para mim. Não me intimidei.
--Não há nada de bom na noite --Murmurou o homem --Estou procurando um homem. Um metro e oitenta, poucos cabelos, branco, cara de mal.
Batia exatamente com a descrição de Daniel, mas ignorei. Parecia que todos por aqui o conhecia.
--Não passou ninguém assim por aqui. --Diogo lhe respondeu, no mesmo tom.
--As moças talvez tenham o visto por ai. --O homem deitou um pouco a cabeça de lado e me olhou --Talvez estava de carona com ele.
--Ela está comigo. --Samy disse, em uma voz calma mais ameaçadora.
O homem suspirou e segurou a cintura. Vi algo ali... Ele estava armado.
--Vamos lá. Quanto mais rápido cooperarem, mas rápido vou embora.
--Eu já disse que ela está...
--Eu o vi. --Interrompi Samy, que por sua vez, me olhou irritada. --Peguei uma carona, mas então ele decidiu voltar. Mudou a rota... Então eu continuei.
O homem levantou as sobrancelhas e estalou a lingua.
--Ele voltou?
--Sim. --Falei.
O homem tirou a arma da cintura e apontou para mim.
--Ai meu Deus --Falei. Agora sim eu estava com medo. Nunca alguem apontou uma arma para mim --E-eu disse a ve-verdade. --Gaguejei.
--E eu não acredito.
Fechei os olhos por um minuto e respirei fundo. Eu juro que nunca fiz nada do tipo, não sei se foi o medo ou se foi a adrenalina, mas repeti a mesma coisa que Daniel tinha feito na churrascaria. Puxei o cara pela manga da blusa, o que foi fácil já que ele estava desprevenido, e com toda a força que eu consegui juntar, sentei minha testa na dele. Não sei ele, mas esse impacto me fez cair para trás e ver tudo embaçado. Então eu apaguei...

Liberdade PerigosaOnde histórias criam vida. Descubra agora