Bom, se Laura estava por perto, certamente Daniel também. Mas eu não queria vê-lo.
Ou ouvi-lo.
Ou senti-lo por perto.
Queria esmagar alguém, ou esfaquear. Tudo, menos chorar. Eu não queria chorar! Não perto de Laura, ou de qualquer outra pessoa no universo.
Mas quando ela me levou para a Starbucks, o silêncio fez meu coração virar pó. Todos os meus músculos se enrijeceram e estremeceram. Minhas mãos de repente enrugaram-se por conta do frio e um vento forte soprou em minha espinha. Lembrar de como meu pai era um cretino, fez com que eu me sentisse errada em relação ao peso que sua morte causou em mim. Porém, nem sempre ele foi assim.
Todas as lembranças de quando eu era criança, vieram à tona agora. Meu pai e minha mãe, rodopiando alegres pela sala enquanto eu e Sophia aplaudíamos...os dois nos colocando para dormir depois de escovar nossos dentes... Sophia e meu pai cantando David Bowie em um Karaokê que até hoje estava em meu quarto... tudo, todos os requisitos de lembranças alegres estavam ali, bem diante dos meus olhos. Olhos que agora estavam cheios por lágrimas de saudade.
O que era engraçado, é que só naquele instante eu me permiti chorar. Chorei por Sophia e nossos segredos inusitados e engraçados, chorei por mamãe e minha antiga escova mágica de mentirinha e por papai... por me causar dor durante anos depois que elas morreram. Mas foram lágrimas que me limparam por dentro. Me mostraram que ser forte não significava pegar minha Taurus e sair atirando em todo mundo que eu achava suspeito.
Mas não durou muito essa sensação.
Meu vazio foi preenchido logo que os cinco minutos depois de me cair a ficha pela morte da única pessoa que eu ainda considerava minha família. Foi preenchido por algo quente, seco e ponderoso.
Olhei para Laura, que deixava uma de suas mãos sobre as minhas na mesa. Tentava me reconfortar, eu acho. Mas a pedido de quem?
--Sinto muito por isso. --Falei, apontando com a cabeça para as pequenas manchas roxas na lateral de seu rosto.
--Não, tudo bem. --Sorriu, meio sem jeito --Sinto muito pelo seu pai.
Apenas assenti. Queria esquecer isso, ou ao menos ignorar enquanto eu estivesse viva.
--Você não precisa se mostrar forte, Rebeka. Tudo bem, todos nós passamos por isso um dia.
Eu sabia do que ela estava falando.
Todos do Armazém ouvíamos a história de como Laura aceitou essa vida no crime, uma vez que já não tinha mais nada a perder.
--É só que... --Sorri, sem vontade. Não queria entrar em um discurso cheio de pena e arrependimento -Daniel está na cidade?
--Não. Ele me mandou aqui depois que soube...
Assenti novamente, puxando minhas mãos para longe.
--Isso quer dizer que ele ainda me observa. Mesmo depois de me excluir do seu grupo de traficantes.
A ironia com que eu disse isso, fez com que Laura torcesse o nariz.
--Eu não diria que ele te excluiu. --Laura suspirou --Tem coisas que não dá para explicar, Rebeka. Mas posso garantir que você vai entender, um dia.
--Um dia, um dia, um dia, um dia... Ah! Que se foda! Quero é que ele vá tomar no...
--Rebeka. -Laura se remexeu na cadeira e tirou da orelha um aparelho transparente, então girou uma alavanquinha microscópica nele e o colocou sobre a mesa -Agora ele não pode te ouvir.
Ah, claro. Ele sempre quer saber de tudo.
Respirei fundo e coloquei minha cabeça sobre os braços, que agora estavam cruzados na mesa. Eu não tinha ideia do que fazer agora. Não sabia se voltava para o hotel, ou se continuava a perseguir o perigo e descontava todo esse ódio e dúvidas em cima dos corpos de alguém.
Mas, como se atendendo ao meu pedido silencioso, alguém lá em cima me deu uma solução.
--Rebeka?
Olhei para cima, reconhecendo imediatamente aqueles fios de cabelos encaracolados e escuros.
Jessy, minha amiga mais próxima do clube de música da escola. Acho que nos vimos pela última vez a uns dois ou três anos. Ela estava linda. Uma mulher!
--Ai meu Deus, Rebeka! Eu não acreditei quando Elisabeth me disse que você estava de volta, mas olha só pra você, bem na minha frente!
Me levantei rapidamente e a abracei, apertado. Fazia tempo que eu não sentia falta de alguém de verdade. Ela sim me fez ficar alegre, por alguns minutos.
--É tão bom ver você!
Jessy sempre foi tagarela, talvez eu tivesse aprendido isso com ela.
-É bom ver você também. --Me virei para Laura --Essa é Laura Walker, minha...
--Sou uma prima distante. --Completou Laura, já de pé na nossa frente.
--Eu sou Jessy Morgan, amiga da Beka.
E ela era a única que me chamava assim.
--Eu já estava indo. --Laura olhou para mim --Sabe onde me procurar, caso precise conversar. Vou ficar na cidade até o próximo final de semana. --Então ela se voltou para Jessy e sorriu --Foi um prazer conhecer você, Jessy.
--O prazer foi todo meu. Até mais.
Na verdade, eu não sabia onde procura-la, mas era fácil acha-la. Difícil era eu querer isso.
--Porque eu senti que existe um clima bastante tenso por aqui?
Suspirei.
Eu não precisava de alguém sentindo pena. Mas era Jessy, minha amiga. Talvez a única coisa que sobrou na minha vida. A única que eu diria que é uma irmã ou uma família.
Contei para ela o que eu havia descoberto a meia hora e tudo o que eu não precisava, aconteceu. Uma série de camadas de frases e palavras no modo carinhoso, reconfortante e tudo o mais.
Eu engoli mesmo assim.
Mesmo cansada, nervosa e um pouco acabada demais.
Ela me convidou para ir dormir em sua casa, mas recusei. O mais próximo que chegaria era na minha casa. E foi pra lá que nós fomos.
Ela dormiria comigo essa noite, como nós fazíamos antigamente, depois que eu brigava com meu pai. Era só disso o que eu precisava.
Mesmo sabendo que não podíamos nos aproximar tanto por causa do perigo que sempre me acompanhava, Eu deixei que apenas por uma noite, eu tivesse uma vida normal, ou algo próximo à isso.
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Sem revisão.
Próximo capítulo até dia 30/12
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Liberdade Perigosa
ChickLitRebeka Taylor Steven é uma jovem que busca desde nova a liberdade. Sua vontade é de viajar por aí, conhecendo gente nova e arrumando encrencas. Antes existia o medo, e a culpa pela morte da Mãe e Irmã mais nova... Mas agora não existe mais medos, nã...