Dois dias antes da chave (parte I)

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Existem duas coisas sobre adolescentes extremamente certas e impossíveis de se negar.
Primeiro: Sempre com muitos hormônios.
Na adolescência o corpo passa a produzir uma quantidade assustadora de hormônios que provocam várias mudanças no corpo de todos os seres humanos, além das mudanças físicas ocorrem mudanças psicológicas, eu afirmo isso porque minha melhor amiga virou uma garota que só consegue pensar em arrajar um ser do outro sexo e o corpo dela passou de garotinha do infantil a modelo de sutiãs extra g, aquilo ficou grande demais, além disso o professor de biologia não parava de falar sobre os hormônios e eu acreditava em cada palavra que ele dizia porque Annie era a prova inegável.
Segundo: a adolescência é o pior período e mais conturbado e cheio de coisas imprevisíveis da vida de qualquer um.
Isso eu afirmo com tudo o que aconteceu com Annie em uma semana.
Na segunda ela teve que ir em um asilo cuidar da avó e ela teve um ataque cardíaco e morreu na hora, Annie chorou muito, e eu também, nós adorávamos a avó dela, era fofa e parecia moderna demais, eu a considerava minha avó, já que nunca conheci a minha.
Na terça ela terminou com o namorado por ser insensível com a morte da avó dela, ele até que era legal, mas meio panaca, e nós fomos ao shopping para distrair.
Na quarta ela descobriu que aquelas coisas dela estavam ainda maiores e eu tive que escolher sutiãs com ela e na volta pra casa encontramos com o ex dela aos amassos com uma colega de classe, a menina era inocente usava óculos enormes, o cabelo sempre preso e roupas bem folgadas, e tinha muitas espinhas na cara, ele estava bêbado, tentou agarrar Annie, mas um rapaz gentil que passava nos ajudou, Annie pegou o número dele.
Na quinta Annie ia ao cinema com o cara do outro dia e me arrastou junto, eles andaram de mãos dadas, mas nada além disso, durante a noite descobrimos que os pais dela estavam sem carro porque tinham batido em um nissan, o estrago foi grande.
Na sexta, Annie achava que já tinha um namorado, Morgana, como chamamos a malfeitora da escola, quase nos agrediu por topar no ombro dela, e recebemos o dedão deslizando pelo pescoço, estávamos marcadas, Annie discutiu com um professor e ficou de detenção.
No sábado Annie me deixou sozinha em casa enquanto passeava com o novo carinha, ela ganhou um cachorro de presente, eu queria um cachorro, mas minha mãe proibia qualquer animal em casa.
No domingo, o pior dia da minha vida aconteceu. Eu vou começar desse dia.
Mas primeiro apresentações.
Meu nome é Tirya Faringray, e vou contar a minha história.

◇•°•◇

No domingo eu acordei o mais tarde possível como sempre, assim que acordei desci as escadas e inalei o cheiro forte de café, Dara era viciada em café, acho que ela pegou isso de algum artista ou leu em uma de suas revistas sobre saúde. Ela estava tomando seu café matinal escutando as notícias pelo rádio, não tínhamos televisão em casa por ser degenerativa para a criatividade e como dependíamos da criatividade dela não se podia correr o risco.
- Bom dia mãe!
Ela levantou os olhos para mim e sorriu.
- Bom dia passarinho!
Eu ri e misturei leite ao meu café, encontrei pão ainda quente e me deliciei com a textura ainda macia.
- Alguma coisa de interessante hoje?
- Parece que aconteceu um acidente de carro nos limites da cidade, a menina foi levada ao hospital, o motorista não foi encontrado.
- Nossa, que horrível. Quem é a menina?
Ela fez uma careta.
- Não falaram... Ah! Espera, acho que vão falar agora!
Ela aumentou o volume e ficamos quietinhas escutando a velharia que minha mãe herdou da mãe dela.
- ...acidente grave. A moça foi hospitalizada e se encontra em situação de risco. A família está preocupada e se mobilizando para encontrar doadores do sangue tipo AB negativo para Annie Stanfield. Aqueles que...
Eu parei de escutar. O mundo inteiro girou e minha xícara caiu de minha mão, o ar parou de fluir para dentro de mim e eu não conseguia pensar. Aquelas duas palavrinhas ecoavam em minha cabeça, como um disco furado repetindo o mesmo som. Annie está no hospital! Assim que meu raciocínio voltou encarei minha mãe e ela entendeu.
- Vou pegar as chaves do carro. Vista um casaco!
Ela correu e eu também, vesti a jaqueta marrom e já estavamos no carro. Dara engatou a ré e fez manobras muito ousadas e perigosas no caminho. Tudo o que eu pensava era que precisava ver Annie. Minha melhor amiga, aquela que sempre me fazia rir, me convencia a fazer suas loucuras, me arrastava para o shopping dois dias seguidos, que tinha milhões de namorados, mas sempre tinha tempo pra mim, a garota que me dava um CD caro e impossível de encontrar só porque era meu aniverssário, a garota incrível que enchia meus dias de felicidade estava numa maca de hospital. As lágrimas não rolaram, mas arderam, meu peito apertava e eu não respirava. Annie! Aguenta!

Cidade de Magia - Marcada por EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora