Entrevista de um vampiro

3.4K 451 10
                                    

Minhas mãos soavam, eu batia meu pé no chão frenticamente, mordia minha bochecha e encarava o vampiro enquanto ele conversava com Britta na língua estranha. Claren continuava na cozinha. Eles dois gesticulavam e as vezes se exaltavam, outras riam. E eu ficava apenas mais nervosa. Eles finalmente pararam de falar e olharam para mim, ma meu alívio logo foi subposto pelo constrangimento. Britta sorriu e se levantou, saindo da sala. O desespero me tomou, estava sozinha com um vampiro, não era o mesmo que estar só com Liang, ela era amiga de minha mãe, já aquele homem era o vampiro mais poderoso e puro, talvez cruel, provavelmente sugador de jugulares, deveria ter um estoque de humanos na geladeira quente e aconchegante na casa dele. Ar desceu pela minha garganta direto para o estômago, estava nervosa e com medo, não podia deixar de temê-lo nem de tentar agradá-lo, era vampiro versus possível defensor, além disso mesmo que fosse humano aquele homem era assustador, o tamanho, a postura, o rosto, tudo nele emanava poder e confiança, do tipo que diz que pode lhe destruir. Ele se recostou no sofá apoiando um braço no encosto e colocou o tornozelo esquerdo sobre o joelho direito, com a outra mão pegou uma caixinha de um bolso interno e a apertou, de lá saiu um cigarro. Ele o colocou na boca e me encarou.
- Menina do fogo, você poderia acendê-lo para mim?
Demorei a perceber que ele falava comigo e mais ainda para processar o que ele tinha perguntado.
- Não tenho controle...
Ele riu alto.
- Certo. Ei, Nithal, você...
Antes que terminasse de falar o cigarro tinha sumido da boca dele, Claren saiu rapidamente da cozinha com ele na mão.
- Ninguém aqui fuma, senhor Trent.
Ele ergueu as duas mãos e a bruxa prateada voltou à cozinha ainda com uma expressão irritada. O vampiro virou o rosto para mim.
- Então acho que devemos conversar.
Endireitei minha postura. Ele trocou de pernas e deixou de exibir as presas compridas.
- Muito bem, Maika, eu recebi uma notificação de que uma recém habitante de minha zona havia incendiado três casas e carbonizado um wendigo. Você nega?
- Não.
- E quanto a mulher que foi devorada, você a tinha visto? Viu o wendigo a atacando?
- Não.
Ele ergueu uma sombrancelha, permaneci em silêncio e ele continuou.
- O wendigo a atacou primeiro?
- Sim.
- Como foi a abordagem?
Não gostei de ter que relembrar o momemto sufocante.
- Eu escutei um riso e ele tentou me segurar por trás, eu corri, mas ele me alcançou e derrubou. - Apontei o nariz quase recuperado, ainda vermelho e um pouco inchado. - Eu me levantei e corri, então ele me jogou bem forte para o lado. Bati minhas costas no chão, ele me levantou apertando meu pescoço, fiquei sem ar e depois parecia que não era eu e tudo começou a queimar.
Ele veio mais para a frente, descruzando as pernas e apoiando os cotovelos nos joelhos.
- O que quer dizer que não parecia ser você?
Dei de ombros.
- Não era eu quem controlava. Eu sorri, e tudo começou a queimar, mas não era eu, me senti assistindo um programa de TV, só voltei depois que o wendigo me soltou.
Ele esfregou o queixo e se recostou novamente.
- Talvez tenha sido seu inscius. Alguns têm o inscius como uma pessoa dentro de si. Você tem alguma imagem que vê desde pequena ou de quando o inscius desbloqueou?
Acenei.
- Eu escuto a voz de um homem dizendo o que fazer. - Eu ri sozinha, aquilo parecia coisa de louco agora que falava. - Ele disse que eu tinha que viver.
Trent exibiu os dentes.
- É isso mesmo. E você descobriu o poder a quanto tempo?
- Acho que faz uma semana.
- Perfeito. Você é meio-alf, certo?
Acenei, e ele fez uma expressão confusa.
- Você é órfã?
De pai.
- Sou.
A expressão continuava, mas ele balançou a cabeça e se levantou.
- Tenho tudo de que preciso. Eu já vou menina do fogo, Nithal, - Britta veio da cozinha. - Eu vou. Até o julgamento.
Ele saiu e assim que escutei a porta bater, Britta deu um pulinho.
- Então... Ele vai me defender?
Ela me mostrou um sorriso.
- Vai, e nós vamos ganhar. Trent não defende causa perdida.
A esperança brotou em mim e cresceu. Eu tinha chance de não ser condenada.

◇•°•◇

Claren terminou o bolo, mas ele não ficou bom, parecia farinha de tão esfarelado que estava. Britta ajudava a irmã a jogar o resultado da fórmula que deu errado fora. Eu me deliciava com um pão estranho, redondo e muito rechonchudo, com um recheio marrom que lembrava chocolate, mas não o era.
Estávamos todas bem mais tranquilas por Trent aceitar me defender.
- Amanhã começam as aulas não é mesmo?
Acenei para Claren.
- Eu comprei um livro para te ajudar com o reconhecimento das espécies. Deixei na cadeira ao lado da cama.
- Certo.
A bruxa prateada se virou para a bruxinha de porcelana.
- Eu recebi uma mensagem de Michelle. Ela disse que virá nos visitar em breve.
Brittany fechou a cara.
- Mais uma vez ela não disse quando.
Claren acenou.
- Se bem que tínhamos que conversar mesmo.
Ela olhou para mim.
- Ah! Tirya, amanhã eu te acordo, você vai com o Aitsune e eu para a Unique. E não esqueça a carta.
Confirmei. Estava ansiosa para saver como seriam as aulas naquele lugar mágico. Talvez tivesse aulas sobre os contos de fadas ao invés de história, ou como usar o inscius no lugar de biologia e quimica. Ah! Aquilo seria um paraíso.
Ou era o que eu esperava.

×××
Zzzzzzz
Dormi.
Brighid

Cidade de Magia - Marcada por EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora