O homem na Floresta das Cores (parte II)

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Um corpo abaixo de uma enorme árvore vermelha, ele tinha uma lança atravessando seu corpo, ele permanecia de joelhos, apoiado pela lança, seu corpo era robusto e eu não conseguia imaginar um homem daquele tamanho sendo derrotado.
Eu me aproximei dele e toquei seu rosto desesperadamente, afastando os longos cabelos negros. Ele tinha vários cortes, e sua pele morena estava coberta de sangue. Ele gemeu mais uma vez e abriu os olhos.
- V-você s-está bem?
Que pergunta! É óbvio que ele não estava! Ele deu um leve sorriso de lado.
- Eu fui derrotado.
Então teve um acesso de tosse com sangue. Senti uma mão em meu ombro e me tremi toda, apavorada, com medo que quem quer que tivesse atacado aquele homem houvesse retornado para terminar o serviço. Olhei apavorada para cima e quase chorei quando vi que era Shun. Ele tinha o cenho franzido e me fez afastar do homem que ainda tossia, segurou o homem e com todo o cuidado o deitou de lado no chão. Eu me ajoelhei ao lado dele e o homem agarrou minha mão.
- Não deixe que saibam que eu morri. - Ele tossiu e sangue caiu em minhas pernas, eu apenas o olhava aterrozada, por não poder fazer nada. - Queimem meu corpo.
Eu comecei a chorar, não conhecia o homem, mas não queria que sua existência se apagasse, eu de alguma forma o tinha associado a Annie no hospital, ao meu pai e avó que sequer conheci. Ele certamente tinha uma família, amigos, alguém que amasse e pessoas que o amavam. Eu apertei sua mão, como se pudesse segurá-lo ali e impedir que morresse.
- Avise Titania que algo perigo- ele teve outro acesso - algo perigoso está a solta. Que tome cuidado.
Ele começou a sugar ar pela boca em um som rouco e então seus olhos castanhos se voltaram para cima e o aperto em minha mão se desfez. Não! Que perigo? Ele não podia ir. Ele não podia ser apagado.

Você quer guardá-lo?
Tudo ficou preto. Então ela surgiu. A menina dos meus sonhos, só que daqyela vez eu não estava sonhando, ela caminhou lentamente em minha direção, o vestido branco tinha as bordas sujas e meio rasgadas, uma brisa parecia rodear ela ininterruptamente.
- Você quer guardá-lo?
Ela perguntou já próxima a mim. Eu encarei o pequeno rosto, havia um pouco de terra nas maçãs.
- Como?
Ela sorriu.
- Se quiser guardá-lo pode. Mas ganhará uma marca.
Eu me perguntei porque desejava tanto manter um estranho. Porque ele parecia tão importante? Mas em que isso importava? O que realmente contava era o que eu sentia, certo? Confirmei para a garotinha.
- Esta será a sua primeira marca, Tirya. Com ela inicia a sua verdadeira jornada, e então seu destino se cumprirá.
Assim que ela terminou de falar os espinhos me prenderam e cobriram. Desta vez ao invés de me rasgarem a pele eles adentravam meu corpo, milhares de galhos negros espinhentos, tantos que me cobriam e eu estava mergulhando neles. A última coisa que pude ver foi ela dizer algo com a boca: Vença!

◇•°•◇

- Emi! Emi!
Eu abri meus olhos. Shun segurava meus ombros e gritava comigo. Pisquei e olhei para o corpo ao meu lado. O homem ainda estava ali.
- O que aconteceu? Você começou a gritar como se a machucassem.
Foram os espinhos, eles pareciam entrar em meu corpo. Olhei para o homem ao meu lado.
- Temos que fazer o que ele pediu.
- O quê? É claro que não. Vamos falar com alguém responsável, que resolva isso direito e descubra quem ele era.
Eu neguei. Ele pediu que queimassemos o corpo dele. Era o último pedido dele, não podíamos negar.
- Vamos fazer o que ele pediu!
Shun me encarou e eu devolvi seu olhar com o máximo de determinação. Por um momento o senti hesitar, aproveitei a chance.
- Ele pediu! Shun, ele estava morrendo e pediu que ninguém soubesse. Deve ter um motivo.
- Claro! Ele deve ser algum criminoso. Talvez um explorador!
Olhei para o corpo, ele parecia apenas dormir. Eu sentia que ele não era ruim, ele emanava alguma coisa, como se estivesse escrito que ele era alguém amado e bom.
- Ele não é!
Shun me largou e bufou. Andou de um lado para outro então encarou o corpo. Como ele conseguia ficar tão... tão bem com uma pessoa morta? Isso é comum por aqui?
- Não acredito que vou fazer isso!
Ele se aproximou e estendeu a mão.
- O que foi?
- Primeiro precisamos tirar essa lança dele. Depois vamos juntar lenha e algumas folhas. Vamos levá-lo o mais próximo do rio o possível.
Eu agarrei a mão dele e usei para me dar suporte enquanto levantava. Minhas pernas fraquejaram e tremeram, mas eu fiquei de pé. Tinha um trabalho a fazer.

◇•°•◇

Eu segurei o corpo enquanto Shun removia a lança do peito do homem. Fizemos tudo silenciosamente. Assim que a lança foi removida eu segurei os pés e Shun os braços e o erguemos. O homem era muito pesado e o derrubamos duas vezes pelo caminho. Quando enfim chegamos ao rio nos separamos para juntar galhos e folhas e colocamos sobre o corpo. Shun rodeou o homem com água.
- Para quê isso?
Ele sequer me dirigiu um olhar.
- Assim o fogo não vai se espalhar.
- Mas é só um pouco de água.
- Apenas confie.
Ele terminou e ficou ao meu lado. Encaramos o que tínhamos feito por um tempo.
- Vamos mesmo fazer isso?
Eu o encarei. Ele parecia preocupado. Imagino que devia se arrepender profundamente de ter falado comigo, eu o tinha feito fazer algo que ele era contra, eu, uma mera estranha. Não sei o que o levou a me ajudar a realizar aquele pedido, nem sei o que me impulsionou a cumprir, mas entendia que aquele não era a forma tradicional de se poceder com um assassinato e ele estava se metendo em encrenca ao concordar comigo.
- Vamos. É o certo.
Ele fechou os olhos e relaxou o rosto, inspirou e expirou, então abriu os olhos e acenou. De alguma forma eu o tinha feito mudar de opinião naquele exato instante. Encaramos o corpo mais uma vez e me ocorreu que tínhamos um problema.
- E o fogo?

×××
E aew!
Essa última parte foi pra discontrair um pouco.
Próximo capítulo: A marca
Brighid

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