Baba Yaga

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Eu sentei em uma cadeira enquanto a velha foi a um outro cômodo. A casa era simples e robusta por dentro, seria até aconchegante se não fosse pela porta de entrada com dentes ainda visíveis, evitei olhar para eles.
Que tipo de casa era aquela? E que tipo de velha teria uma casa dessas?
O fogo na lareira crepitava e seus estalos eram como uma melodia, o que era estranho, parecia um canto, talvez eu estivesse louca. Encarei o fogo e quanto mais segundos passavam mais o fogo parecia dançar com a melodia.
- O que vê?
Me virei em um susto. A velha tinha voltado, tinha uma bandeija com uma tigela, panos e um pote em suas mãos. Ela a colocou na mesa.
- O que vê no fogo?
Ela repetiu a pergunta. Eu a encarei franzindo as sombrancelhas.
- Nada. Só fogo.
Ela riu enquanto colocava a tigela a minha frente, tinha um caldo dourado.
- Antigamente o fogo era usado para ver a verdade, do passado, presente e futuro. Bem antes de aparecerem bolas de cristal o fogo já cantava os mistérios do mundo. Beba!
Eu olhei para a tigela, não tinha colher. Olhei para a velha e ela fingiu pegar a tigela e a levar à boca então virá-la. Segurei a tigela.
- Cantavam?
Começei a beber o caldo. Era delicioso, um caldo quente e saboroso. Bebi tudo o que consegui sem pausa para respirar. A velha riu.
- O fogo canta, para os que não podem escutar o canto é o estalar, o barulho da madeira virando carvão, mas para os que podem escutar é uma melodia, como uma mãe cantando uma canção para sua criança dormir, é o som das mais belas vozes.
- Você pode escutar?
Ela riu exibindo a gengiva quase sem dentes.
- Não. Mas já escutei, quando era jovem e orava para meus deuses.
Ela se agachou no chão e indicou meu pé estendendo a mão. Eu o levei a ela e ela usou um pano molhado. Estava frio como gelo, mas aliviou a ardência que tinha começado a sentir quando acordei.
- Qual o seu nome?
Não podia continuar a pensar nela como velha, por mais que o fosse não era adequado, até porque ela estava cuidando de mim.
- Tenho muitos nomes, mas pode me chamar de Baba Yaga ou Vó Yaga.
Acenei e terminei o caldo. Ela terminou com um pé e pediu o outro. Agora eu via que ele realmente tinha ficado roxo, não sei como não tinha quebrado algum dedo pela força com que colidiu com o ferro.
- Você tem uma ótima regeneração, seus cortes já coagularam e os que parecem mais antigos são finas lembranças. - Ela passou a mão pelo meu pé fazendo um calafrio percorrer minha espinha. - Vou passar o creme e talvez arda.
Ardeu, muito. Tinha que usar toda a minha força para não encolher a perna, mas assim que ela enfaixou meu pé nem doía nem ardia, era como um remédio instantâneo.
- Isso é incrível.
Yaga se levantou e juntou tudo colocando sobre a bandeija e passou pela mesma porta de antes. Eu apertei meu pé enfaixado já não sentindo dor alguma, sorri comigo mesma, que bom que tinha confiado nela.
- Baba, o que tinha no creme? Eu já não sinto nada.
Ela voltou.
- Segredo. Tome - ela me entregou um par de sapatilhas - Use isso para voltar e não ande descalça na floresta novamente!
Eu não parava de sorrir. Calcei as sapatilhas que serviam perfeitamente.
- Obrigada.
Ela sentou em uma cadeira de balanço próxima à lareira e observou o fogo. Depois de um tempo ela começou a balançar.
- Vê aquele cesto sobre a mesa?
Eu olhei para o cesto de palha recheado de diversas coisas.
- Pegue um pedaço de lã e o amarre a um de seus cordões.
Eu obececi e peguei um pedaço de lã branca e o amarrei à corrente da chave.
- Quando achar que precisa de minha ajuda mais uma vez, seja para o que for, basta romper essa linha que nos encontraremos. Não fale sobre mim.
Ela não olhava para mim.
- Agora você deve ir. Quando sair da casa siga em linha reta, o tempo inteiro em linha reta, e chegará à casa da bruxa que lhe acolhe. Agora vá!
Eu me levantei e olhei para ela receosa, deveria mesmo ir assim, do nada, sem mais nenhuma palavra? Ela não parecia receptiva a despedidas, então segui para a porta medonha e a atravessei, enquanto segui o caminho de volta olhei para trás, para a casa com dentes e pernas, para a casa da senhora que me ajudou no meio da noite em uma floresta escura sem nem saber meu nome. Quem era ela? Eu não sabia ao certo, apenas seu nome, um de seus nomes. Para onde iria? Talvez outra floresta, ou ficasse ali.
Eu não sabia quem ela era, de onde vinha ou para onde ia, não sabia porque ela tinha me ajudado, mas fiquei triste por deixá-la sozinha naquela floresta em que lobos lutavam, pessoas morriam e eram levadas de seus lares, naquela floresta tão fantástica e escura, naquela floresta de mistérios.

Cidade de Magia - Marcada por EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora