O Astronauta

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Borboletas morrem no meu peito. Aos montes, acumulam-se nos lençóis velhos. Pequenas, frágeis, amarelas, com suas asinhas despedaçadas. Acordo atrasado, o mundo ainda dorme, também tenho sono, mas preciso encarar a urgência de viver. Visto um pouco de paciência e saio. As borboletas continuam a morrer. Pago as contas, faço cálculos, um dia eu irei começar a realmente viver. Por enquanto estou só ensaiando, sempre uso essa desculpa. Sou apenas aquele que mora na caixa. Fico olhando os prédios que tocam o céu, na luz da alvorada e pergunto-me onde começa a vida.
Sempre fui um caos. Nunca foi segredo. Vivo no meu mundo inventado, e não aceito intrusos. Tive como guia meu coração teimoso e barulhento. Nunca prometi ser mar calmo. Detesto toda e qualquer forma de rasidão,se não posso mergulhar então prefiro nem molhar os pés. Não preciso de pouco, isso já tenho de sobra, quero imensidão. Vejo luzes na cidade que nunca dorme, até eu percebo-me sonâmbulo, caminhando em sonhos. Sou um astronauta inquieto, não contento-me com o que tenho.
Talvez essa inquietude tenha encaminhado meus passos até onde cheguei e despertou essa paixão pela arte de escrever. Desde que lembro-me, rabiscava frases em cadernos velhos. Era a minha fuga. Minha voz e o começo da minha jornada, mas naquela época eu não fazia idéia disso.
Vejo o sol nascer. E penso no quanto estou perdido. Mas respiro fundo e finjo estar tudo bem. Revoadas de pássaros cruzam o céu. Estou cansado de amar no escuro,de enterrar amores,e simplesmente seguir,com meu coração elástico. Mesmo assim, de alguma forma, ainda sinto esperança. Não sei ao certo, talvez seja teimosia. Tantas borboletas morrendo, acumulam-se nas folhas com versos rabiscados naquela tristeza que vem nas tardes de domingo. Sei que há algo errado comigo,um pedaço defeituoso,cujo encaixe quebrou num descuido. Eu tento e tento. Mas é como tentar apanhar o oceano com as duas mãos.

Ensaios sobre sangue, ferrugem e fogo Onde histórias criam vida. Descubra agora