Capítulo 22

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"Você me fez experimentar algo

Que não posso comprar a nada

Eu sabia, estou esperando

Que depois dessa febre, eu sobreviva

Sei que estou agindo feito louca

Como uma viciada, meio fora do ar

Com as mãos no coração, eu oro

Para que eu possa sair dessa viva! ...".

The Heart Wants What It Wants - Selena Gomez.

Acordei em um lugar totalmente estranho para mim, mas em uma cama que com toda certeza era uma das melhores onde eu já tinha dormido. Eu tinha que parar de ficar desmaiando desse jeito, acordar em lugares estranhos estava começando a se tornar um hábito. Passei a mão no meu rosto e olhei em volta ainda atordoada, o quarto era grande e claramente masculino, a cama era King Size e o edredom que me cobria era tão azul quanto a parede onde a cama estava encostada. Do lado direito do quarto havia duas portas, uma que provavelmente seria o banheiro e outra o armário, um pouco depois delas uma grande cortina escura que ia até o chão, onde possivelmente escondia a porta de uma sacada. Havia uma grande cômoda escura encostada em uma das paredes e perto dela diversas prateleiras com os mais variados tipos de livros, alguns filmes e jogos, livros de engenharia e arquitetura e até mesmo algumas maquetes, muito bem feitas por sinal.
Nos pés da cama havia uma grande baú antigo, que parecia um tanto deslocado no quarto, mas não menos interessante. Havia um violão em uma poltrona de couro ao lado de uma mesa e, na parede, logo acima deles, um belo quadro que retratava Notre Dame. Girei nas cobertas e olhei para o criado mudo, havia alguns papeis, um despertador, o abajur e um porta-retratos com uma foto de três pessoas. Liguei abajur e o peguei, havia uma mulher e dois garotos, um deles eu logo reconheci sendo Carter, mas parecia diferente, um pouco mais jovem e... Feliz, o sorriso relaxado em seu rosto quase o transformava em outra pessoa. O garoto ao seu lado era quase uma cópia dele, apenas um pouco mais baixo e mais jovem, mas mesmo assim a semelhança era inegável. Os mesmos cabelos negros e os olhos azuis, o queixo arrogante...
A mulher ao lado deles era linda. Seus olhos eram verde escuros e mesmo na foto podia ver o quanto brilhavam de alegria, seus cabelos eram muito lisos e Chanel, de um castanho quase caramelo. Ela era quase uma cabeça mais baixa que os meninos, o rosto com traços delicados e muito bem desenhados, seu corpo era magro e com curvas sutis, nada que chamasse demais a atenção, mas era exatamente isso que a tornava bonita, a simplicidade e ao mesmo tempo, intensidade, de sua aparência. Mesmo que fossem poucos, era possível notar alguns de seus traços nos garotos, como a forma como eles sorriam ou uma marca no queixo.
Eram uma família bonita.
Coloquei o porta-retratos de volta no lugar e empurrei as cobertas, me deparando com uma camisa azul escura que eu com toda certeza não estava usando antes. Ela ia até metade das minhas coxas e ficava um pouco larga, mas era confortável. Passei a mão nos meus cabelos e gemi assim que meus dedos se enroscaram neles, ele devia estar um ninho com tanto tempo sem pentear. Sai da cama e quase cai quando a coberta se enroscou na minha perna, soltei um palavrão e fui cambaleando até a porta que achava ser o banheiro.
O banheiro era tão bonito e bem organizado quanto o quarto, todo em preto e branco. Um box de vidro fosco ficava na parede mais afastada, a meio metro dele uma banheira de tamanho médio espaçosa o suficiente para se relaxar em um dia estressante e, mais para frente, o vaso sanitário. Havia um grande espelho em horizontal que cobria metade da parede logo acima da pia de granito preto, a bancada dela era de tamanho médio e estava lotada dos mais variados produtos masculinos, desde escova de dentes até o barbeador elétrico.
Olhei para o espelho e soltei um gemido ao ver meu reflexo. Meu rosto estava pálido e um pouco magro, alguns ferimentos da luta se faziam presente e olheiras escuras que mais pareciam hematomas marcavam meus olhos, e meu cabelo... Meu cabelo parecia ter acabado de sair de uma guerra contra uma escova. Enquanto eu resmungava do trabalho que teria para desembaraça-lo, meus olhos caíram em um saquinho transparente isolado encima da bancada, onde havia uma escova de dentes no plástico, uma escova de cabelos e o que parecia um óleo para passar no mesmo.
-Parece que ele é vidente. - resmunguei abrindo o saquinho e espalhando as coisas na bancada.
Joguei uma água no rosto para aliviar um pouco da sensação horrível que estava sentindo e comecei a escovar os dentes. Poderia parecer estranho eu estar me sentindo tão confortável, mas minha mente ainda estava confusa demais para registrar alguma coisa, meu corpo estava um pouco dolorido e além do mais, se alguém quisesse me matar, eu não teria sido colocada em um lugar tão confortável. Meus machucados arderam quando a água escorreu por eles, mas ignorei a sensação, agora tinha que me resolver com meu cabelo, pelo menos o suficiente até poder lavá-lo.
Fiz o melhor que pude para umedece-lo e passei um pouco de óleo nas mechas para ajudar a desembaraçar. Praguejei, xinguei um monte e fiz várias caretas, mas finalmente consegui domar meu cabelo, que na verdade tinha ficado até bonito por causa do óleo, estava caindo em ondas pelos meus ombros, o que fazia com que as mechas violeta se destacassem. Pelo menos eu não estava mais parecendo um zumbi do The Walking Dead.
Sai do banheiro e estava pronta para vasculhar o quarto quando escutei uma música baixa vindo de algum lugar pelo corredor, eu não conseguia distingui-la, mas gostava de sua melodia. Ajeitei a camisa que estava usando e resolvi seguir o som até a sua fonte. Não havia muita decoração no corredor, apenas alguns quadros aleatórios ou alguma maquete, que eu era obrigada a parar para olhar por sua ótima qualidade. Havia mais umas cinco portas por ali, mas não me dei o trabalho de investigar onde elas me levariam. Cheguei até uma sala espaçosa, grandes janelas davam vista para uma cidade que ainda acordava com os raios do sol, o que para mim, sendo uma fotógrafa, era uma visão de tirar o fôlego. As paredes da sala eram brancas, fazendo com que o sofá escuro se destacasse, uma enorme TV de LED ocupava uma boa parte da parede oposta à janela, o que devia ser uma verdadeira benção na hora de assistir filmes.
Havia alguns quadros decorando as paredes e o que pareciam ser fotos de família. Uma mesa de centro estava bagunçada com alguns papeis e plantas de edifícios complicadas, o controle da TV jogado ao lado e um jornal que parecia ser de hoje. Uma estante decorada com livros, porta-retratos e várias maquetes estava no extremo oposto de onde eu estava, o que apenas dava uma melhor vista de tudo que havia nela. Reconheci um mini Coliseu e a Torre Eiffel em uma das prateleiras, o dono da casa com toda certeza era um amante da arquitetura e engenharia, Jason iria pirar se visse todas essas maquetes.
Secret do Marron 5 tocava baixo no rádio que estava abaixo da TV enquanto alguém mexia em alguma coisa no fogão e cantarolava. Andei silenciosamente até onde devia ser a cozinha e encontrei Carter de costas, dando uma visão e tanto de seu corpo. Seu cabelo estava bagunçado e ainda vestia seu pijama, que consistia em uma regata branca e uma calça de algodão preta, que apenas evidenciava o quanto seu físico era atraente e tentador. Uma visão dessas logo pela manhã era para ferrar o juízo de qualquer mulher.
A cozinha em inox era grande e espaçosa, armários de madeira escura decoravam as paredes e as poucas que ficavam a mostra, eram pintadas de uma cor clara, talvez fosse branco ou bege, eu não sabia bem. O fogão era tampado pelo corpo de Carter, mais eu podia ver que era bem grande, a geladeira na cor cinza era do mesmo tamanho da minha, ou seja, daria parar uma pessoa morar lá dentro. Havia um balcão de mármore negro com quatro banquetas pretas o ladeando, dando uma vista perfeita da cozinha para a sala. Ele estava todo arrumado para o café da manhã, com pratos e canecas, alguns pães, mas o mesmo não se podia dizer da pia, que estava uma verdadeira bagunça.
-Espero que goste de panquecas e torrada. - falou Carter me pegando de surpresa.
Eu nem tinha notado que estava parada a meio caminho da cozinha e, mesmo falando comigo, ele não parou de mexer seja lá o que fosse que estivesse fazendo no fogão. Por algum motivo estranho senti meu rosto esquentar, só então fui me dar conta que além de ter sido pega de surpresa, eu estava vestida com nada além de uma camisa dele.
-Ahn... Com a fome que to comeria até pedra. - falei sem graça.
Eu não tinha parado para pensar em comida, mas assim que ele tocou nesse assunto meu estômago roncou. Carter olhou por cima do ombro, seus olhos me avaliando dos pés à cabeça, se demorando um pouco nas minhas pernas e pescoço enquanto um sentimento que eu não podia distinguir brilhava neles, o que fez com que, não apenas meu rosto, mas todo o meu corpo esquentasse. Engoli em seco e seu olhar encontrou com o meu, um sorrisinho debochado surgindo em seu rosto como se soubesse perfeitamente o que se passava na minha cabeça.
Mordi meu lábio em nervosismo, minha cabeça ainda estava confusa, mas eu não me admiraria se meus pensamentos não muito bondosos estivessem escritos na minha testa.
-Não sou nenhum chef de cozinha, então essa analogia pode ser boa. - falou.
Para minha surpresa suas palavras foram o suficiente para quebrar o clima que tinha se instalado, o que me fez rir.
-Agora fiquei com medo. - falei indo para a cozinha.
-Não prec... Caralho! - parei enquanto ele xingava algo que estava na frigideira. - Não é pra grudar!
Comecei a dar risada enquanto me aproximava.
-Quer uma ajuda ai? - perguntei.
-Seria bom.
Entrei na cozinha e já pude sentir o cheiro de queimado e ver a fumaça que saia da frigideira. O que era para ser uma panqueca agora mais parecia um ovo mexido, me dando ainda mais vontade de rir das caretas que Carter fazia enquanto tentava concertar o estrago. Desliguei o fogo e ele jogou a frigideira na pia.
-Não sirvo para isso, - resmungou. - porque tem que ser complicado fazer uma maldita panqueca?
-Não é complicado, - falei olhando para a sujeira na pia. - você apenas não está fazendo da maneira correta.
Ele olhou para meu rosto, seus olhos azuis se estreitando para mim.
-Então, senhorita sabe tudo, como é que se faz isso da forma certa? - perguntou.
Sorri enquanto prendia meus cabelos em um coque, sempre gostei de cozinhar, até porque sempre foi uma forma que eu tive de passar um tempo com a minha mãe, panqueca era uma das comidas favoritas do meu irmão e eu adorava fazer para ele sempre que podia. Passei sabão em minhas mãos e as lavei enquanto sorria por cima do ombro.
-Apenas me traga os ingredientes que eu te mostro como se faz.

Legado de Sangue - Irmandade - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora