Capítulo 42

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"Como a luz em minhas veias

A escuridão está afundando

Escuridão está me afundando

Comandando a minha alma

Eu estou sob a superfície

Quando a escuridão queima abaixo...".

Deep end - Ruelle.

Eu já tinha presenciado mais mortes nos meus vintes anos do que a maioria das pessoas veria uma vida toda. Eu gostava de pensar, ás vezes, que já tinha atingido a minha cota. Mas isso era uma mentira grande demais até mesmo para mim. Os gritos pareciam vir de algum lugar bem longe de mim, as palavras pareciam não fazer sentido e tudo no que eu conseguia me focar era em seus olhos claros arregalados, a compreensão o atingindo tão certeira quanto a bala que atravessava seu peito.

-Morgan! - alguém gritou.

Eu só fui notar que tinha sido eu alguns segundos depois, mal reconhecendo a minha própria voz. Meu corpo tinha se movido no automático e o segurado antes que ele despencasse no chão, meus olhos vislumbrando a mancha escarlate que se espalhava em uma velocidade desesperadora por sua camiseta clara. Eu não vi o momento que me sentei no chão, mas quando dei por mim, estava sentada e segurando Morgan da mesma maneira que se seguraria um bebê. Não houve tempo para despedidas, nada de momentos finais emocionantes ou de últimas palavras. Assim que meus braços se fecharam ao seu redor e seu sangue começou a encharcar minha roupa, pude sentir a dolorosa verdade escorrendo por entre os meus dedos.

Meu melhor amigo estava morto.

Eu não sabia como devia me sentir, porque esse geralmente é o primeiro sentimento que vem quando você perde alguém que ama. Alguns acham que é a tristeza, mas não é. Você sente tanta coisa ao mesmo tempo que não sabe exatamente o que sentir, você passa por todos os estágios do luto em um único momento antes da realidade finalmente se fazer verdadeira. Seria mais fácil fingir que algo doloroso não é verdade, mas seu coração sempre vai dizer que você está apenas se engando. Minhas mãos estavam sujas de sangue. O sangue dele. Eu não parava de tremer, como se tivesse acabado de sair de um rio de gelo e estivesse sentindo as primeiras reações do meu corpo a temperatura. Passei meus dedos pelo rosto de Morgan com delicadeza, mas não houve reação alguma, apenas um corpo que já começava a esfriar.

-Não... - sussurrei encostando meu rosto na testa dele. - Não, não, não, não, não, não...

Balancei minha cabeça e comecei a nos balançar enquanto o abraçava mais apertado contra mim, como se isso pudesse trazê-lo de volta. Meu corpo todo parecia entorpecido e era como se eu não tivesse mais controle sobre os meus movimentos, como se todas as coisas ao meu redor fossem um borrão, se misturando entre a realidade e as lembranças. Naquele momento, foi como se tudo que eu vinha guardando a anos dentro de mim explodisse em um sentimento devastador.

-Não... - escutei alguém dizer perto de mim e ergui meus olhos.

Derek ainda estava congelado no lugar. O rosto era a máscara do desespero enquanto ele encarava o primo deitado sem vida em meu colo. Ele deu alguns passos à frente sem tirar os olhos de Morgan, caiu de joelhos na minha frente e começou a chacoalhar a cabeça de um lado para o outro com força enquanto fechava os olhos. Ele murmurava não sem parar e batia os punhos no chão a cada palavra dita, a dor física não sendo nada comparada à que eu via em seu rosto. Eu não vi quando Sônia se aproximou, seus olhos estavam marejados quando ela se ajoelhou ao lado de Derek e o abraçou, fazendo com que ele parasse de socar o chão.

Naquele momento, uma dor que eu não imaginei que sentiria novamente rasgou meu peito, ela era tão forte que parecia que eu mesma tinha levado o tiro.

Legado de Sangue - Irmandade - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora