Capítulo 20

626 49 11
                                    

"Cheio de desespero, dentro de uma escuridão

Auto-consciente e assustado, feito prisioneiro de guerra

Ficando sem ar, enterrado em uma tristeza

Quero uma maneira de sair deste mundo paralisante...".

Sunrise - Our Last Night.

Carter Montgomery

Passei a mão no cabelo irritado e frustrado. Como pode existir uma mulher tão enlouquecedora como essa? Não posso deixar de pensar que isso é uma praga de Silas por todas as vezes que curti com sua cara. Porque essa mulher veio de encomenda. A vejo marchando com passos firme até seu carro, se me concentrasse bem poderia ver fumaça saindo de sua cabeça.
Ninguém poderia dizer que Kyle Moore não sabia fazer uma saída dramática. Seus olhos cinzentos estavam da cor de uma tempestade prestes a desabar, revelando seu verdadeiro estado de espírito. Mesmo que suas palavras fossem calmas e frias, eu podia ver o quanto estava irritada pela maneira como torcia os dedos, uma hábito que eu achava que nem mesmo ela sabia que tinha.
Quando Sienna abriu a boca, eu vi a morte dela brilhando nos olhos de Kyle. Ela podia se sentir poderosa segurando no meu braço, mas aquela morena acabaria com ela sem ficar com um único fio de cabelo fora do lugar. Eu sabia muito bem do que Kyle era capaz, ou pelo menos, tinha uma ideia.
Continuei ali parado, ainda chocado e abobalhado com suas palavras, indeciso entre estrangula-la e beija-la. Essa bonequinha dos infernos tem me feito passar por poucas e boas, além de uma quantidade de banhos frios que não deveriam existir na vida de um homem. Ela é como um vírus, mesmo que eu queria expulsar, ela não sai da minha cabeça e parece apenas piorar quando resisto.
Quando aceitei o trabalho pensei que lidaria apenas com uma garotinha que só tinha muita sorte de ainda estar viva, que não sabia com quem estava mexendo. Apenas alguém que estava dando trabalho para os Lordes, o que acontecia de vez em quando e, mesmo com as constantes reclamações do que ela aprontava, não era nada com que eu não poderia lidar. Pelo menos era esse o pensamento que eu tinha antes. Kyle superou todas as minhas expectativas e ultrapassou até mesmo os limites que eu considerava prováveis, ela não era como nenhuma outra mulher que eu já tenha conhecido.
Era linda, sexy, ousada e uma tentação para qualquer homem que a olhe. Mas também confiante, forte, determinada e corajosa. Havia imponência em sua presença, um senso de liderança que nasce em poucos, tudo nela, desde seu andar até mesmo a maneira como falava, sugeria que ela nasceu para comandar. Também havia o controle, tanto em suas emoções quanto em seu temperamento, era notável isso, as pequenas explosões que ela tinha não eram nada comparadas as que poderia ter. Duas coisas que me faziam admira-la ainda mais, eram sua complacência e condescendência. Em nenhum momento abusava de seu poder, todos os seus funcionários a respeitavam e admiravam, não havia medo ali, apenas uma laço de trabalho mutuo e lealdade.
Mesmo hoje depois de tudo o que aconteceu, vi seu lado profissional e seu senso justo falarem mais alto. Hoje de manhã...
Ainda amaldiçoo aquela assistente que não sabe o que a palavra não significa. Gabriella era muito bonita e atraente, isso eu não podia negar, mas a forma como se insinuou para mim e continuou insistindo mesmo quando eu disse não, apagou qualquer imagem boa que eu poderia ter dela. Nunca gostei de mulheres que não se dão o devido valor. Para piorar tudo ela ainda estragou meu plano, se jogando encima de mim no exato momento em que Kyle entrava na sala. Eu pude ver o momento exato em que ela mascarou a raiva com a frieza, o controle que exerceu sobre si própria para não explodir. Eu não sabia com que ficava mais surpreso, com a forma dura e fria com a qual falava, ou com sua falta de emoção, ela me expulsou de sua sala como se eu fosse um nada.
Nunca fui tratado daquela forma por mulher nenhuma, nem mesmo tive que suar tanto para chegar tão próximo de uma. Não era assim que meu trabalho devia ser, tudo estava se distanciando do plano que eu deveria seguir, estava fora de controle. Tentei me convencer de que passar o trabalho para outro seria um sinal de incompetência e fraqueza já que eu nunca tinha falhado em um trabalho, mas no fundo eu sabia a verdade. Eu estava mais envolvido naquela missão do que deveria, mais do que queria.
Kyle podia me tirar do sério e enlouquecer na maior parte do tempo, mas quanto mais brechas ela abria para que eu a conhecesse, mais eu queria me aproximar.
-Carter? - falou Sienna chamando minha atenção. - Está me ouvindo?
Chacoalhei a cabeça para afastar meus pensamentos e franzi a testa. Minha paciência foi se esgotando conforme minha mente se clareava.
-O que foi, caralho? - perguntei irritado.
Outro encosto que só dificultava a minha vida. Sienna Williams era um espetáculo de loira. Sensual e ousada, com curvas delineadas feitas para se perder e um sorriso meigo que encantava qualquer um, seus olhos, de um azul apenas um tom mais claro que o meu, eram sempre marcados por uma maquiagem muito bem feita, assim como os lábios carnudos quase sempre pintados de vermelho. Mas falando a verdade, mesmo com toda essa aparência de levar um homem a loucura, tinha uma voz que acabava com qualquer clima que pudesse surgir, parecia mais uma gaita desafinada.
Era tão superficial quanto sua maquiagem, se importava apenas com aparência e dinheiro, e passava mais tempo fazendo compras do que qualquer outra coisa. Nunca se preocupou com os estudos ou carreira, apenas vive na casa da família sendo a princesinha do papai e esbanjando todo o dinheiro que tem. Ainda me pergunto como consegui namorar com ela durante um ano, se não fosse por saber muito bem da minha conduta, poderia dizer que estava drogado.
Maldito seja o dia que meu pai empurrou ela para cima de mim!
Sienna era uma perfeita esposa troféu. Bonita e com relações vantajosas, não se intrometia nos meus trabalhos e algumas vezes, bem poucas, sabia manter a boca fechada, exatamente como meu pai queria para o herdeiro de seu legado. Aquela praga da Lavínia podia ter nascido primeiro, não que já não fosse a favorita do nosso pai, mas pelo menos eu ficaria longe dos holofotes. Mas ao que parecia até nisso ela tinha que estragar minha vida.
Não que Sienna não tivesse seus momentos bons, ainda mais na cama, mas o problema era que fora dali, quando tínhamos que conviver, eu não a suportava. Sempre fui direto e sincero com todas as mulheres com quem já sai, eu não poderia ser chamado de galinha, apenas desfruto a vida até que a pessoa certa apareça. Quando meu pai a empurrou para mim, bati o pé, só reconsiderei por minha mãe, sabia que minha rebeldia seria descontada nela depois. Eu já sabia que Sienna era apaixonada por mim desde criança, sempre fez de tudo para ficar colada a mim e em nosso relacionamento não foi diferente, era ciumenta, possessiva e acabou com todas as tentativas que tive de ser paciente com ela. Nunca aceitou o rompimento e ainda se acha no direito de usar o título que acha que ainda é seu.
Com tanto problemas para resolver, não mereço um encosto para me dar trabalho.
-Não use esse tom comigo, amor. - falou com uma voz magoada.
Revirei os olhos, ela que continuasse achando que esse truquezinho ia funcionar comigo.
-Quantas vezes preciso dizer que não somos mais um casal, Sienna? - perguntei ficando exaltado. - O que tínhamos acabou e ponto, vê se enfia isso na sua cabeça. Eu não gosto de você, não te devo satisfação, você não tem direito nenhum de falar como devo agir ou de se intrometer na minha vida. Para de me perseguir e fazer cenas de ciúmes idiotas, vai procurar um pouco de amor próprio para ver se entende que você não é nada para mim.
Seus olhos estavam arregalados e cheio de lágrimas, mas isso não me afetava mais, não era a primeira vez que usava esse truque para tentar me amolecer. Eu poderia sentir pena antes, mas agora eu já estava cansado de toda essa merda.
-Mas amor... - falou com a voz falha.
-Além de burra também é surda? - perguntei rindo sem humor.
-Mas e o nosso filho? - perguntou soluçando. - Ele vai ficar sem pai?
Fiquei chocado apenas por um instante antes de explodir em gargalhadas, eu não podia acreditar que ela ia usar esse truque.
-Que filho, criatura? - perguntei. - Faz meses que nem encosto em você. Você pode estar grávida sim, porque sei que não é nenhuma santinha como se faz parecer para todos, mas esse filho com toda certeza não é meu.
-Ei, cara... Não fala assim com ela. - falou uma voz atrás de mim.
Fechei meus olhos e respirei fundo tentando me controlar, ou mataria aquele bastardo com as testemunhas mesmo, parar na cadeia seria o ponto alto do meu dia. Quando o vi ao lado de Kyle, agindo como um macho dominante, mil e um sentimentos me dominaram, diversas formas de assassinato passaram por minha mente, das mais cruéis até as mais rápidas. Mas o meu maior desejo era arremessa-lo no rio, o mais distante possível.
Se isso era ciúme? Não diria que era tal coisa, até mesmo porque nunca senti.
-Ta com dó? Quer ela pra você? - perguntei com desprezo. - Pode levar, essa eu não quero nem pagando.
Mason ficou me encarando, os olhos verdes faiscando de raiva. A marca da mão de Kyle estava perfeitamente desenhada em sua bochecha, dando uma visual ainda mais patético aquele otário com cara de pateta.
-Não devia tratar ela assim. - falou.
Ri não acreditando no que ele estava dizendo, aquele bastardo tinha muita coragem mesmo. Ou estupidez.
-Mais um querendo me dizer o que devo fazer? Era só o que me faltava mesmo. - falei chacoalhando a cabeça. - Sabe, você dois formariam um bom ar, sabiam? Um dupla de encostados que não sabe fazer nada além de atrapalhar a vida alheia.
O rosto de Mason ficou vermelho.
-Meu assunto com a Kyle não tem nada a ver com você. - rosnou ele. - É algo meu e dela. Temos uma história.
E o que vou ter é meu punho na cara desse infeliz!
Mas até que a coragem, ou burrice dele, era admirável. Me aproximei um pouco mais e o vi, mesmo que involuntariamente, dando um passo para trás. Sorri satisfeito com sua reação, ele podia fazer pose de macho, mas era bem claro que ele tinha medo de mim.
-Acontece que Kyle não quer falar com você. Ou o tapa que ela te deu não foi o suficiente para entender isso? - perguntei me aproximando ainda mais. - Vou dar um conselho para você. - fixei meus olhos friamente nos seus para enfatizar minhas palavras. - Fique longe dela e fora do meu caminho, ou um soco será o menor dos seus problemas.
-Eu... Eu não tenho medo de você. - falou engolindo em seco.
-Deveria ter. - falei. - Não sou uma boa pessoa para se ter como inimigo.
Sorrindo friamente, comecei a ir pela calçada em direção ao meu carro, mas parei no meio do caminho e olhei para ele por cima do ombro, precisa logo falar o que parecia entalado na minha garganta.
-Ela me contou o que aconteceu. - falei e vi seus olhos se arregalarem. - Você é muito pior do que um babaca, é um lixo. Kyle é forte, corajosa e independente, a mulher que qualquer homem gostaria de ter ao seu lado, ela não merece você. - chacoalhei a cabeça. - Ela merece muito mais que tudo isso.
-Eu a amo! - afirmou com convicção.
Chacoalhei a cabeça rindo.
-Se a amasse de verdade jamais a teria abandonado. - falei vendo seu rosto desmoronar. - Se ela realmente fosse a coisa mais importante no mundo para você, não era umas poucas ameaças vans que o fariam desistir. Quando se ama alguém, você enfrenta qualquer perigo, não importa qual seja.
Dei as costas e continuei andando. Eu não sabia bem porque tinha dito aquilo, era como se uma forte necessidade me obrigasse a interceder, mas o que eu tinha falado não era mentira. Podia não ser um dos maiores especialista no amor, mas eu sabia bem até onde eu iria, e o que faria, para proteger e cuidar, de minha mãe, Cameron e Rebeca.
-Carter! - gritou Sienna.
-O que foi? - perguntei sem diminuir o passo.
-Como vou embora? - perguntou irritada.
-Com as pernas. - respondi.
Cheguei no meu carro escutando seus gritos e fingindo que nem era comigo. Ter Sienna me atormentando era mais um dos vários motivos pelos quais eu queria que os Lordes, e toda Irmandade, fossem reduzidos a cinzas. Eles passaram a vida toda brincando comigo, me usando como um peão, talvez realmente tenha chegado a hora de dar um basta nisso tudo. Recebi uma missão e acabei propondo outra. Talvez ter me juntado a Kyle tenha sido uma boa ideia, a melhor forme de finalmente reverter o jogo.

Legado de Sangue - Irmandade - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora