"Minha sombra é a única que anda do meu lado
Meu coração superficial é a única coisa que está batendo
Às vezes eu desejo que alguém por aí me encontre
Até lá, eu andarei só...".
Boulevard Of Broken Dreams - Green Day.
A sala de Jason não era exatamente grande, mas tinha um tamanho bom o suficiente para ser confortável. As paredes eram brancas, mas não estavam nuas daquele jeito que costumava me dar agonia, havia quadros e pequenos objetos a decorando, dando um ar de elegância simples que Jay sempre tinha em todas as duas coisas. Havia um sofá de couro preto de dois lugares ao lado da porta e um vaso com uma planta que eu não sabia dar nome, mas que fornecia um pouco mais de vida para o ambiente. Na parede do lado direito estava uma enorme estante que quase a cobria, as prateleira recheadas dos mais variados livros de engenharia e arquitetura, até alguns de administração, objetos que eu sabia que ele tinha trazido de casa e outros que eu não reconhecia. Na prateleira principal havia três porta-retratos em destaque. Um tinha uma foto de Jay com Adam e Liam no bar favorito deles, outro dele com Anika em um parque e uma minha, dele e Samira no inverno em que fomos para uma pousada. Sua mesa de madeira escura ficava encostada na outra parede, duas poltronas brancas ficavam de um lado e do outro sua confortável cadeira de couro, nada melhor que trabalhar com conforto.
Encima de sua mesa estava apenas o básico, um computador ainda ligado, várias plantas em planejamento espalhadas, réguas, compassos e um porta canetas cheio de lápis, lapiseiras, canetas e outras coisas das quais ele vivia falando que precisava comprar. Além de seu material de trabalho e o telefone, havia apenas dois porta-retratos decorando a mesa. Um era com uma foto de Samira e eu no aniversário dela, tínhamos dado de presente para ela uma viagem para a Suíça e acho que nunca tinha visto ela tão feliz. A outra era de Jay e sua família quando ele tinha quatorze anos, uma semana antes de nossas vidas virarem de ponta cabeça. A porta do banheiro era um pouco depois de sua mesa, quase escondida em um canto. A sala era linda, mas o que realmente sempre me encantava era a vista. As grandes janelas do chão ao teto permitiam uma visão total do centro da cidade que começava a entrar no ritmo do meio da manhã, prédios grandes e pequenos formavam uma harmonia bagunçada, alguns comércios e árvores perdidas por vários pontos se misturavam como tinta ao mar de carros que cortava toda a cidade.
Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes tinha trazido minha câmera aqui apenas para fotografar essa imagem.
-É uma vista linda. - falei.
Escutei Jay fechar a porta e poucos segundos depois aparecer ao meu lado. Ele colocou as mãos nos bolsos e olhou de forma contemplativa para a janela.
-Perdi as contas de quantas vezes Liam já me xingou por ter conseguido essa sala. - falou com um pequeno sorriso. - A dele tem vista apenas para depósitos comercias.
Sorri imaginando a cena e conseguindo ver com perfeição a revolta de Liam.
-Então... - falou Jay depois de um tempo. - O que aconteceu lá na clínica?
Batuquei meus dedos na janela no ritmo de uma música aleatória.
-Eu não sei te dizer ao certo. - falei com sinceridade. - Lembro de você saindo da sala falando que voltaria no outro dia, da enfermeira saindo e do médico me dando meus remédios. Ele parecia um pouco estranho, mas eu já estava dormindo. Acordei algumas horas depois com ele e Carter lutando dentro do meu quarto, como ainda estava atordoada pelos efeitos dos medicamentos, seja lá o que ele tenha me dado, não consegui ter pensamentos muito coerentes.
-Isso explica o corpo que foi encontrado. - falou de forma pensativa. - Carter fez um bom trabalho.
-O que foi que aconteceu? - perguntei.
-Eu fiquei conversando com um amigo da faculdade até mais tarde na lanchonete, ele é estagiário lá. - falou passando a mão no cabelo. - Derek me ligou dizendo que iria se atrasar porque a irmã dele estava passando mal e a mãe deles não estava em casa, então ele teve que cuidar dela. A enfermeira me disse que eu podia ir para casa tranquilo, que com os efeitos dos remédios você iria ficar apagada por um bom tempo. Quando acordei no outro dia o Derek estava berrando no telefone com a Samira, tinha perdido todo fio de paciência e já devia estar arrancando os cabelos. Adam xingava meio mundo e ligava para o mesmo tanto. Samira estava tão fria que apenas um olhar dela podia matar alguém. Achávamos que os Lordes tinham te pegado.
-Para me pegarem só se um de vocês estiver na mira de uma arma ou eu estiver morta. - falei.
-Eu sei disso, mas estávamos desesperados. - falou nervoso. - Derek não costuma perder você de vista, então as coisas pareciam serias. Ele está furioso pela falha e se sentindo muito culpado por ter perdido você, por não estar lá.
Respirei fundo de olhos fechados, aquilo não era culpa de ninguém.
-Tivemos uma falha na formação, isso não é culpa de ninguém. - falei. - Quando D vai entender que não pode ter todo mundo protegido debaixo de sua asa?
-Quando entender que é um bastardo perfeccionista que quer que até o planeta gire na orbita que ele planeja. - respondeu Jay. - Ele pode ficar maluco e exigente demais por causa de segurança, mas você melhor do ninguém sabe porque ele é assim.
Sim, eu sabia. Derek e eu tínhamos crescido juntos, mesmo sendo mais velho ele passava mais tempo comigo do que com meu irmão. Nossos gênios era parecidos e vivíamos batendo de frente um com o outro, mas no final isso nos tornava uma ótima equipe. Entendíamos a dor um do outro melhor do que ninguém, ambos tínhamos uma necessidade incontrolável de proteger quem amávamos e mesmo que ele me enlouquecesse, confiava totalmente minha vida nas mãos daquele bastardo. E eu sabia que mesmo que eu o deixasse de cabelo em pé, ele tinha confiança o suficiente em mim para saber que eu levaria seus segredos para o túmulo. Eu gostava de provoca-lo, mas não queria que colocasse mais uma culpa desnecessária em suas costas.
-Eu vou ligar para ele depois. - falei. - Samira deve estar me xingando também e não duvido que Adam esteja fazendo o mesmo.
-É uma boa ideia, recebi sua mensagem pouco antes de sair de casa e avisei eles por cima do que você me falou. - falou assentindo. - O sistema de segurança do prédio, do estúdio e da casa vão ser trocados. Já estavam mexendo nisso quando eu sai de casa, Derek está passando um pente em tudo. Hector está jogando alto para pegar você e agora mais do que nunca, não podemos dar bobeira.
-Então o médico era um dos lacaios dele. - falei pensativa.
Jay saiu da janela e se sentou em sua cadeira tirando a gravata, parecia cansado.
-Era sim. Agora como ele passou despercebido e como sabia que você estaria lá, isso é algo que não sabemos. - falou. - Mas sugiro que tome cuidado.
-Não apenas eu. - falei indo me sentar em uma das poltronas. - E isso me faz pensar em uma coisa. Como Carter sabia onde eu estava?
Jay começou a brincar com um compasso encima das folhas enquanto olhava para mim.
-Eu liguei para ele quando estava na lanchonete. - falou ele dando de ombros. - Deve ter chegado algum tempo depois que eu sai.
-E você ligou para ele porque exatamente?
Ele largou o compasso e arqueou a sobrancelha para mim.
-Não finja que não sabe porque liguei.
-Porque precisava de um ombro amigo? - perguntei com sarcasmo. - Não sei o que ele tem a ver com tudo isso.
Jason estreitou os olhos para mim e se curvou um pouco encima da mesa.
-Talvez tenha a ver com o motivo de você estar com o cheiro dele. - falou em uma calma. - Talvez também tenha a ver com você estar na casa dele até meia hora atrás. E não adianta vir com desculpas ou explicações esfarrapadas para o meu lado, posso não ter os visto juntos, mas não sou bobo para não sacar o que está rolando, Kyle.
Oh Merda! Jason estava bravo e muito. Geralmente quando eu fazia algo que o estressava, ele gritava comigo e quase arrancava os cabelos, mas com esse seu lado explosivo eu conseguia lidar. Agora quando o deixava tão irritado a ponto de ficar nesse estado de fúria silenciosa, eu não sabia o que fazer. Podia parecer idiota, mas quando ele me dava esse tratamento de silêncio, essa calma fingida quando eu sabia que ele estava fervendo por dentro, eu me sentia uma garotinha novamente, se sentindo culpada por ter feito alguma besteira.
Eu geralmente era muito dona de mim e não permitia que ninguém me dissesse o que fazer e muito menos aceitava calada quem erguia a voz para mim, mas com Jason era diferente. Mesmo sendo alguns meses mais novo, eu o respeitava como se fosse meu irmão mais velho. Eu não sabia por qual parte exatamente ele estava zangado, mas ter me dado a oportunidade de explicar já era alguma coisa.
-Coloca pra fora. - falei em voz baixa. - Melhor do que ferver seu cérebro.
Ele assentiu com um sorriso e de repente sua expressão se fechou.
-Que caralho você estava pensando?! - rugiu ele fazendo com que eu me encolhesse na poltrona. - Todo mundo morrendo de preocupação e você se pegando com aquele playboyzinho na casa dele? Onde você estava com a merda da cabeça? Assim que acordou e soube onde estava a primeira coisa que devia ter feito era nos ligar e avisar que estava bem!
Bravo era apelido, ele estava uma fera mesmo. Seu rosto estava vermelho e a veia em seu pescoço estava saltada, os olhos me fulminando.
-Eu conheci o cara e gostei dele, mas isso não significa que eu confie nele. Posso ficar furioso por esse seu envolvimento com ele, mas não cabe a mim me intrometer nessa parte da sua vida. - falou com a voz um pouco mais baixa. - E agora numa parte que me diz respeito, espero que entenda uma coisa Kyle. Eu agradeço tudo que já fez por mim e admiro muito você por sempre querer nos proteger, mas não admito que ligue o foda-se para sua vida e se coloque em uma posição vulnerável porque acha que isso vai resolver as coisas. Eu já perdi muito nessa vida e não vou aceitar ter que ver você em um caixão, não tão cedo assim. Então espero que entenda que não está sozinha nessa merda toda e que nunca é demais ter ajuda e que assim como o Derek, entenda que tem coisas que estão fora do seu controle.
Engoli em seco enquanto ele se recostava em sua cadeira e aos poucos ia voltando ao normal, tentando se controlar em respirações curtas.
-Desculpa por fazer vocês passarem por isso. - falei depois de um tempo. - É que... Tem vezes que acontece tantas coisas comigo ao mesmo tempo, que eu não sei exatamente o que fazer, por mais que eu faça alguma coisa.
-Eu sei. - falou de olhos fechados e com a cabeça encostada na cadeira. - Mas assim como você, eu não quero perder mais ninguém, Ky. Então tome cuidado.
-Está melhor agora que gritou comigo?
Ele tentou segurar, mas um pequeno sorriso começou a se formar em seus lábios.
-Como você sempre consegue me contornar mesmo quando me deixa puto de raiva? - perguntou.
-Porque sou sua irmã, - falei me levantando. - e sempre consigo o melhor de você.
Dei a volta em sua mesa, parando bem na sua frente enquanto ele afastava sua cadeira, sabendo exatamente o que eu queria fazer. Me sentei em seu colo e passei o braço ao redor do seu pescoço, um costume que eu tinha desde que ele se tornou maior do que eu. Algumas pessoas ao longo dos anos pensaram errado sobre a nossa amizade, achando mais do que realmente havia, mas isso nunca afetou a nossa relação. Podíamos não ter o mesmo sangue, mas Jason era tão meu irmão quanto Gabriel. Ele podia ser explosivo e ter tantos fantasmas do passado quanto eu, mas esse homem era o meu porto seguro. Eu podia deixa-lo careca de preocupação, mas sempre faria de tudo para protege-lo. Eu já tinha perdido um irmão e, a menos de dois anos atrás, tinham tentado me tirar esse, o que, se dependesse de mim, jamais voltaria a acontecer.
-Como você está se sentindo? - perguntei acariciando seus cabelos. - Depois de falar com Caroline?
Ele ficou brincando com as pontas dos meus cabelos enquanto pensava e de repente, ele riu.
-Acharia estranho se eu dissesse que me sinto bem? - perguntou.
-Levando em conta tudo de maluco que já aconteceu na nossa vida... Não.
-Eu tinha planejado milhares de vezes o que falaria para ela quando a encontrasse cara a cara novamente e admito que, mesmo não tendo saído do jeito que imaginei, tudo que eu falei fez com que eu me sentisse mais leve, melhor comigo mesmo. - falou e enrolou uma mexa do meu cabelo em seu dedo. - Cada palavra que falei foi verdade e... Eu realmente não amo mais ela. Eu não sei quando o sentimento foi embora e sinceramente, sinto mais pena do que ódio dela. O que me fez ficar com raiva foi ela vir ao meu trabalho fazer escanda-lo, ela querer interferir na minha vida quando finalmente estou seguindo em frente.
-E eu estou orgulhosa de você por ter feito tudo isso. - falei. - Não apenas pela maneira como falou e enfrentou Caroline, mas por ser essa pessoa forte e estar seguindo em frente de cabeça erguida. Por estar buscando o melhor para você e notando que, mulher para um bom partido como você é o que não falta.
Ele abriu um pequeno sorriso e beijou meu rosto.
-Acho que passar um tempo com Carter a deixou emotiva. - brincou. - Vou ir perguntar o que ele fez com a Kyle Moore que me deixa de cabelos brancos.
Bufei, fazendo seu sorriso aumentar.
-Cala boca, idiota. - resmunguei. - Além do mais, você não ia perguntar, ia exigir uma resposta. Sendo com palavras ou os punhos.
-Ela voltou. Estava começando a ficar preocupado.
Revirei os olhos, mas acabei sorrindo. Ele estava tentando aliviar o clima e, se ele não queria mais falar no assunto, eu também não falaria, ainda mais se ele quisesse falar sobre Carter. Tudo o que tinha acontecido desde a noite anterior ainda parecia não ter se assimilado, minha cabeça estava uma confusão e eu não estava pronta para falar sobre alguns assuntos uma hora dessas da manhã, ainda mais alguns sobre os quais eu nem mesmo tinha parado para pensar.
-Então... - comecei. - Porque Anika e Liam tinham que ir nessa reunião e você não?
-Eles trabalham em um setor diferente do meu. - explicou. - Mesmo que Liam esteja estudando para ser engenheiro, ele atua em uma área um pouco diferente aqui. Como é de outro país, fala três línguas e tem um curso de administração, assim como aquele que você fez, ele fica com a parte dos trabalhos internacionais. Anika já trabalhava nessa parte na filial que temos na Alemanha, então, para o desgosto e contentamento dos dois, eles trabalham juntos. O que tenho que admitir que, mesmo que eles impliquem muito um com o outro e me façam rir, eles formam uma ótima dupla.
-Não tenho dúvidas de que formam. - falei. - Mas em que cargo ela fica mesmo?
-Lucas é o presidente, Owen o Diretor de Finanças e Anika a Diretora Executiva. Mesmo que a palavra final seja a de Lucas, ele jamais toma qualquer decisão sem consultar os primos.
-É um esquema legal esse deles.
Enquanto conversávamos uma súbita ideia surgia na minha cabeça. Levando em conta o que vinha acontecendo e o quanto todos pareciam estressado, seria uma boa ideia.
-Tava pensando em uma coisa aqui. - falei.
-Conta uma novidade. - brincou.
-Porque não saímos hoje à noite? - perguntei, o ignorando. - Faz tempo que eu, você e a Sam não fazemos alguma coisa. Podemos fazer algo só nós três ou podemos chamar o pessoal, incluir a Anika e o Liam e irmos para algum lugar.
-É uma ideia legal.
-Nada de trabalho, problemas, relacionamentos e muito menos estresse. Apenas uma diversão saudável entre amigos.
-E acho que sei o lugar perfeito para irmos. - falou com um sorriso travesso.
-Onde? - perguntei curiosa.
Porém, ele nem precisou me responder, o brilho que seus olhos assumiram me dizia perfeitamente o lugar que ele estava pensando. Considerando quantas vezes tínhamos ido lá, eu poderia dizer que realmente ia ser uma noite interessante.*******
Nota da autora:
Olá pessoal!
Depois de xingar, gritar e querer esmurrar meu not por perder o que eu tinha escrito ( e reescrever tudo novamente), aqui está mais um cap para vocês.
Quero dar os parabéns a minha amiga Jullia_minay por seu livro A herdeira dos Bruxos que chegou a 3k. Parabéns Lia!!! Você é coisadamente coisada e não tem paciência, mas conseguiu kkkkkk
Quero dedicar este cap a minha leitora Luah Fermino (wattpad sacaneia com a minha vida de novo não querendo marcar) que está fazendo aniversário hoje. Parabéns Luah!!
Bem pessoal, era isso.
Espero que gostem.Boa Leitura!
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Legado de Sangue - Irmandade - Livro 1
RomanceObra registrada, plágio é crime! Em um mundo movido pelo poder e pelas mentiras, nem mesmo um inocente está salvo das sombras que seu sangue carrega. Isso é algo que Kylie Moore sabe melhor do que ninguém. Após perder toda sua família em um horrível...