Quero chorar pela morte de Tris, mas não consigo. Não agora, talvez mais tarde. Nunca entendi os motivos que levavam os autores a matarem seus personagens principais, geralmente os queridinhos de metade do mundo. Hoje talvez eu entenda. Se você da a um personagem o "felizes para sempre" que ele merece, você o mata. Sim, o mata. A partir do momento em que a última página do livro é lida e sua capa finalmente fechada, os leitores não se importam mais com o personagem pois sabem que ele vai viver feliz para sempre. Mas, se você de fato mata o personagem, bom..ele vive para sempre.
É meio contraditório, acho, mas as coisas nunca fizeram muito sentido. Quando cheguei ao ponto final deste livro, sabia que esta história para mim nunca terminaria, pois eu tentaria por muito tempo criar uma forma de Tobias Eaton ser feliz sem Tris, que confesso, não me levou a lugar nenhum porque mesmo que o epílogo fale sobre dois anos e meio depois, ainda me sinto como Tobias, incompleto sem Tris. Assim como é uma perda irreparável para ele, é também, para mim.
Meus pais, irmãos, amigos, familiares... nunca entenderam o que me causava tanto sofrimento lendo um livro, talvez porque nunca entenderiam se eu lhes dissesse que cada personagem é parte da minha vida, que em todos os momentos que estive lendo o livro, também estava convivendo com eles, mesmo que de uma forma vaga e distante. Eu me sentia parte do livro assim como ele era parte de mim.
O único sentimento recíproco que tive em toda a minha vida.
E nem era com algo real.
Me pergunto o porquê de ter escolhido a biblioteca municipal como refúgio. Acho que foi devido ao fato de que quando o mundo virou de cabeça para baixo era aqui que eu estava. E porque era o lugar em que se eu pudesse, passaria mais tempo durante a minha vida. Se eu for avaliar a situação hoje, meu desejo pode muito bem se realizar.
Nos primeiros boatos sobre a doença ninguém que convivia comigo em casa deu muita importância para isso, afinal, esse tipo de coisa só acontece em filmes não é mesmo ? Mas eu ouvia meus pais aos sussurros toda noite, pareciam realmente preocupados, mesmo que não demonstrassem diante dos filhos. Eles conversavam brevemente e quase nunca tocavam no assunto quando estávamos por perto. Pareciam temer o que estava por vir, mesmo que o futuro estivesse envolto em sombras sinuosas.
As pessoas gostam de ficção apenas para sair do tédio que são as suas vidas e fazer parte de uma outra vida onde as coisas são diferentes. Em outras palavras, imaginar o que não tem, para suprir as necessidades que tem.
Mas em determinado momento a ficção virou a realidade, e ela era caótica.
Quando a doença se espalhou, ninguém mais precisou se agarrar a ficção para segurar a barra, a vida não era mais tediosa, as deixou em pânico. E como tudo é como uma grande contradição, agora todos querem sua realidade tranquila e monótona de volta.
Querem a paz que os mortos lhes tiraram.
Falando em mortos, estão caminhando sobre a calçada em frente ao mercado agora mesmo. Como um bando, como uma manada.
-Nunca os vi caminhando juntos dessa maneira -digo a mim mesma, não há mais ninguém ali para me ouvir. Estou sozinha, como sempre estive.
A biblioteca municipal é pequena e não possui janelas, mas eu costumo abrir a porta algumas vezes por dia para espiar o movimento lá fora. Eu posso ver os andarilhos dali, detrás do prédio que nunca acabara de ser construído e pelas frestas entres as madeiras que dividem a calçada do terreno onde fica a biblioteca, uma grande estrutura que um dia foi a Casa Da Cultura. Os andarilhos não são bons observadores, embora sejam ótimos farejadores. Se continuar aqui, um deles pode sentir meu cheiro e chamar a atenção dos outros, o que me colocaria em perigo. Não quero arriscar, tenho sido muito cautelosa. Depois de trancar a porta atrás de mim percebo o quão arriscado é sair lá fora. Não sei se para manter a sanidade eu deveria arriscar o pescoço, ou o corpo todo já que dizem que eles mordem pelo corpo todo. Eu vi reportagens sombrias sobre a praga, nada atrativo, mas mesmo assim eu não conseguia parar de assistir, meus pais me obrigavam a sair da frente da tv e a fazer algo produtivo já que meu emprego foi pelos ares junto com metade do comércio local. Eu sentia a necessidade de conhecer, de estar ciente sobre os riscos, de ter uma chance para me salvar caso aquela maldita história de mortos andando sobre a terra me alcançasse, mas hoje percebo que não aprendi muito, já que ao invés de lutar, tudo o que faço é me esconder.
VOCÊ ESTÁ LENDO
DIXON - No Fim Do Mundo
Fanfiction"Quando o mundo caiu as máscaras caíram com ele. As pessoas não precisavam mais esconder seus medos nem seus desejos mais profundos. Quando o mundo caiu nós só tivemos a certeza de que os verdadeiros montros estavam realmente dentro de nós e não era...