Há uma grande briga entre mim e o ar condicionado do carro. Eu o odeio.
-Fecha essa janela - diz minha mãe irritada para mim.
Ela já havia dito isso três vezes desde que entramos no carro, eu finjia que não escutava por causa dos fones mas na verdade não há música nenhuma para ouvir.Minha irmãzinha me cutuca.
-Mana, a mãe já mandou você fechar a janela treiz veiz - ela fala como a garotinha de três anos e meio que é mas com a serenidade de alguém mais velho.Não sei porque é difícil pra mim obedecer a minha mãe sendo que quando uma pirralha metida a madura pede para mim fazer alguma coisa, eu faço.
Quando o vidro levanta até o final vejo minha mãe suspirar irritada pelo espelho. Ela tem motivos para me odiar.
-Hoje é quinta, por que tem tantas pessoas nas ruas ? Nem é dia de receber ou pagar contas -resmunga meu pai.
-Acho melhor você estacionar logo pra gente poder sair, odeio esse ar condicionado- digo desabotoando o casaco. Prefiro passar frio do que me sentir sufocada.
-E você tem um inalador pra que ? Pergunta minha mãe sem importância, como sempre faz. As vezes acho que ela me questiona mais por implicância do que por qualquer outra coisa.
Enfio a mão no bolso do casaco e tateio a procura da bombinha, quando a encontro, aperto-a com força contra minha mão só para ter certeza de que ela está ali. Sou tão dependente dela quando de água ou comida. Meu psicólogo diz que é ansiedade e solidão, e que eu tenho chance de cura se trabalhar esses pontos.
Mas eu sei que é uma falha grave de saúde. E ponto.
Passamos pela entrada do estacionamento do supermercado mas o guarda avisa aos motoristas que não há mais lugares disponiveis. Meu pai da um soco no volante e segue em frente.
-Vou dar a volta e estacionar na frente da industrial. Vocês saiam aqui e comecem as compras.
Descemos do carro e sinto o ar gelado de inverno me abraçar. Pego Antonya no colo para que ela não precise correr para atravessar a rua.Arranjar um carrinho vazio parecia a tarefa mais difícil do dia. A segunda seria encontrar alguma comida decente quando a maior parte das prateleiras já estava vazia. Nas compras cada um tem a sua função, minha mãe compra, eu carrego, meu pai paga. Mas naquele dia meus compromissos me levariam ao meu destino atual. A biblioteca pública.
-Eu vou indo -digo.
-Indo onde ? Pergunta minha mãe como se eu não tivesse dito mil vezes à ela que iria até a biblioteca municipal.
-Ah -diz ela sem interesse -podia levar a Antonya, ela não vai parar aqui.
-O Bê ta bem ali sem fazer nada, pede pra ele.
A função do meu irmão é mexer no celular enquanto os outros vivem uma vida, exatamente como eu sou com meus livros.
-Bernardo larga esse telefone também.
-Mas meu Deus eu nem fiz nada- reclama ele. Seu jeito chorão sempre me irritava, mas nos dávamos estranhamente bem para irmãos com uma grande diferença de idade. Ele tinha dezesseis e eu vinte.
As vezes acho que a única coisa que todos na minha família tem em comum é o hábito de reclamar.
-Claro que não. Você nunca faz- diz ela.
Minha mãe sabia ser cruel.
-Bê, cuida da bebê um pouco. Eu nem vou demorar- pedi empurrando para ele o carrinho onde ela estava sentada carregando algumas compras.
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DIXON - No Fim Do Mundo
Fanfic"Quando o mundo caiu as máscaras caíram com ele. As pessoas não precisavam mais esconder seus medos nem seus desejos mais profundos. Quando o mundo caiu nós só tivemos a certeza de que os verdadeiros montros estavam realmente dentro de nós e não era...