Capítulo 7 (revisado)

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-Eu não sabia que você precisava tanto disso -diz Daryl apontando para minha bombinha.

Deei de ombros.

-Eu sempre precisei. Asma, grau quatro.

Coloquei o inalador de volta no bolso, feliz por estar certa sobre ele ter caído quando desmaiei.

Um silencio tortuoso pairava sobre nós. As paredes grotescas da biblioteca pareciam estar nos comprimindo um contra o outro.

Foi Daryl quem quebrou o silêncio.

-Quais são os planos? Vai comigo ou sem mim?

-Na verdade eu não pretendo ir -respondo.

-Estou falando sério.

Ele soa debochado. Como se não acreditasse que eu desejasse ficar.

-Você acha que eu conseguiria andar lá fora sozinha?

Ele deu de ombros.

-Você se saiu muito bem da última vez.

-Eu quase morri da última vez.

Ele nega com a cabeça.

-Você conseguiria.

É a minha vez de negar.

-Eu só assistia muita ficção.

-Não imaginou que seria útil um dia não é?

-Na verdade eu esperava por isso.

Ele para de limpar a Besta e me encara.

-Por isso? Você esperava por um apocalipse zumbi?

Então é assim que as pessoas chamam hoje em dia.

-Não necessariamente. Mas os humanos sempre foram maus, agora eles não precisam fugir disso, isso está neles.

-E eu e você somos o que então?

-Humanos. Mas talvez a gente mereça estar aqui.

-Você é meio maluca-ele volta a se concentrar na arma silenciosa e eficiente que possui.

-Você não concorda comigo? Pergunto com um sorriso irônico no rosto.

-Eu não sei o que pensar.

-Bingo senhor Dixon. É isso o que nos torna humanos, a capacidade de pensar. Mas a maioria das pessoas nem sabe o que ser humano significa.

-Já sei porque você está aqui- Ele diz convicto de suas palavras.

-Por que estou aqui? Curiosa sobre sua versão.

-Você faz o tipo anti-social. Excluída e sem amigos, deve ter sofrido bullying na escola ou algum tipo de tortura emocional.

-Na verdade eu era bem sociável- mentira, penso -Eu sofri com alguns comentários mas nunca deixei que isso me abalasse. Tive muitos amigos e me importava com coisas fúteis e típicas de adolescentes.

-Como por exemplo...

-Um ângulo certo pra sair na foto. Ou quantas curtidas ela teria no meu perfil.

-Mentira.

-Você não me conhece- acuso.

-Isso tudo que você disse não é verdade -Ele agora aponta o indicador pra mim- Eu sei que não.

-E como pode ter certeza? Questiono.

-As palavras que usa. A roupa que está vestindo. A maneira como procura um livro na prateleira.

-Você é bom observador.

-Eu sou bom caçador. É diferente.

-E o que você está caçando agora Dixon?

Ele pensa um pouco.

-Estava caçando você. Mas já te achei.

Abaixo a cabeça e tento disfarçar o sorriso envergonhado. Vejo que o inalador caiu nas minhas coxas, depois de verificar com os dedos eu descubro um buraco no bolso. Então é assim que ele some toda hora. Eu realmente precisava de roupas novas. O que me levava de volta ao comentário de Daryl.

-Como assim "as roupas que usa" e a "maneira como procura os livros na prateleira"?.

Ele fala sem olhar pra mim.

-Você usa botas justas de salto baixo e jeans apertado, blusas decotadas por baixo de um moletom gasto, parece um estilo despojado e sensual. Como as garotas que se costumava ver por ai. Mas a maneira como você sabe onde procurar os livros... você deveria viver aqui, passar mais tempo aqui do que os livros. E só o fato de você ser uma nerd justifica isso.

Inteiramente certo. Mas eu fazia algumas coisas sociais também. Acho.

-Bom, sua procura acabou no momento em que você me surpreendeu ali na frente -apontei com o dedo para o lado de fora da porta.

-Minha procura acabou no mercado, quando você estava cercada.

-ENTÃO FOI VOCÊ?

-É.

-Eu podia ter morrido porque você não me ajudou -digo angustiada.

-A culpa seria só sua. Eu não sabia que era você.

Eu levanto do sofazinho e começo a perambular pela sala.

-Quer eu eu peça desculpas por não ter ajudado, mas não vou pedir. Eu sabia que você conseguiria, e eu levei alguns deles comigo quando quebrei o vidro.

-Você levou UM deles e eu tive que enfiar a cabeça dos outros dois em uma parede. Você me deixou para morrer.

-Eu sabia que conseguiria- repete.

-Como? Eu estava ACABADA.

-Eu tinha outras prioridades.

-Sua própria sobrevivência?

- A minha não. A SUA.

-Você está me deixando confusa.

-Eu não sabia que era você. Não até te ver correndo pra cá. Eu me senti culpado, acredite, e eu geralmente não sinto culpa.

Sinto meu coração bater mais forte e o ar começar a faltar.

-Não posso sair daqui- digo assustada- meu pai, ele vem me buscar.

Daryl me encara com pena.

-Sinto muito.

-NÃO SINTA. ELE NÃO MORREU.

-Não crie esperanças quanto a isso. Não crie mais ainda.

-Tudo o que eu posso ter agora é esperança.

Ele se levanta e toca meu braço.

-Tudo o que você pode fazer agora é lutar. Lutar para sobreviver.

                                 ⭐

-Me desculpe- diz ele enquanto esvazia o sétimo carro parado no estacionamento. Um Monza vermelho.

-Tudo bem. Eu deveria ter imaginado isso.

-Eu não quero que você desista de achá-los. Eu não faria isso se fosse você.

-Você procura alguém?

-Você. Mas já achei.

Trocamos um sorriso amistoso. Ele estava prestes a falar algo quando uma voz nos surpreende.
Olhei em volta tentando localizá-la. Daryl tiou a Besta das costas e a levantou. Fiquei surpresa com o quão intimidadora era aquela coisa.

-Fique atrás de mim -diz ele.
Ignoro o comentário e levanto a arma que havia achado em um dos carros. Daryl me deu uma aula rápida de como usá-la antes de me devolver.
A voz é de um homem que me parece familiar e vem de uma das janelas do terceiro andar do prédio da prefeitura.

-Não fiquem ai- diz ele, e então aponta a horda de andarilhos se aproximando pela praça. De perto e em bando são ainda mais assustadores.

DIXON - No Fim Do Mundo Onde histórias criam vida. Descubra agora