Capítulo 30 (revisado)

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Correr nunca me fez bem, eu era uma ótima sedentária, efeito colateral de ter asma. Daryl quase me carregava no colo conforme íamos descendo a ladeira íngreme da rodovia principal. Os carros abandonados iam ficando para trás e nós descíamos para o desconhecido. Os galhos espinhosos cortavam meus braços em feridas leves porém ardidas e conforme avançávamos as folhagens roçavam meu rosto, era irritante.  

-Há um rio no final da descida- grita Ozônio- é o mesmo que usamos para abastecer a base, podemos nos esconder nas margens até que eles vão embora. Se eles não nos viram temos uma chance. 

Pela borda da floresta eu podia ver a silhueta da ponte, a rodovia era sustentada por pilares com mais de vinte metros de altura, lá em baixo, a água batia violentamente contra eles.

-Vamos Maria- dizia Daryl continuamente. Sua voz era abafada pelos ecos de minha mente.

Tropecei em algo e cai, senti uma dor forte e cortante no lado da barriga e gritei, vi os movimentos de Daryl puxando uma faca e de ozônio me arrastando para longe enquanto descíamos. Ao ser pegada do colo por Daryl, notei que meu moletom tinha uma mancha de sangue. Eu quis entender o que havia acontecido, mas tudo tinha sido tão rápido, e tinha aquele cheiro...

Continuei em estado vegetativo enquanto sentia o embalo de pequenas ondinhas, acordei de supetão com um grito que fez Óxido latir. Eu mesma me assustei.

-Tudo bem- disse alguém do meu lado, antes de reconhecer que era a voz de Daryl, eu levantei as mãos e soquei seu rosto. Quando me dei conta do que tinha feito, Daryl já estava acariciando o próprio rosto e olhando feio para mim. Ozônio ria.

-Que espécie de pesadelo você estava tendo ? Ele quis saber.

Ignorei, e virei-me para Daryl.

-Daryl eu....

-Tudo bem -ele disse antes de me deixar terminar- Eu sei.

Assenti. Minha cabeça doía.

Ozônio me estendeu uma latinha com legumes cozidos.

-Vai te fazer bem- disse.

Recusei a comida e me levantei. Senti uma pontada de dor na cintura. Minha surpresa foi que não eram apenas meus devaneios a estarem balançando, estávamos mesmo em um pequeno barco de pesca, protegidos pelo compartimento de estoque. Tinha muita comida ali dentro, o suficiente para nos abrigar durante a tempestade iminente.

-Por que estamos aqui? Perguntei.

Daryl, que ainda massageava o queixo apontou para Ozônio.

-Ele vai contar para você.

Virei para Ozônio e ele engoliu em seco.

Notei novamente a mancha de sangue no meu moletom. Ignorei-a, queria ouvir o que ele tinha a dizer.

-Gabriel tem outro amigos além de Luís no complexo, Tomás é um deles, você não o conhece porque geralmente as pessoas de maior poder observam tudo de longe e em silêncio. E ele também é meu pai.

-Ele não é só o seu pai- afirmou Daryl.

Ozônio assentiu.

-Ele é um dos chefes do Governo. Acredito que tenha vindo para me recuperar e também apostaria como não vai desistir enquanto não conseguir o que quer.

Dei de ombros. Era só um problema a mais mas tudo bem, poderíamos fugir para bem longe e ele nunca nos encontraria. Tudo dependeria da gravidade do meu ferimento, e ele doía MUITO. Eu não acreditava que pudesse andar logo, sequer a andar algum dia. 

-Se ele é o seu pai então é claro que ele te quer de volta.

-Não me quer como filho, só quer um sucessor, ele vai morrer logo e precisa de mim no lugar dele.

-Tudo bem, vamos dar um jeito- afirmo tentando me levantar, o que parece impossível. 

Ele começou a chorar. E estranhamente, os olhos de Daryl lacrimejavam também.

-Mas o que é isso garotos? Uma TPM masculina ? Debochei para quebrar o clima.

-Eu sinto muito mesmo.

Tinha alguma coisa a mais que eu ainda não sabia. Mas quando minha barriga latejou novamente eu descobri, levei a mão até o hematoma suspeitando de que tivesse sido causado pelo meu tombo mas ele tinha sido causado por um zumbi, era uma marca de mordida.

Uma grande mordida.

A ideia de morrer assim me soava ridícula, tão ridícula que ao invés de chorar ou entrar em desespero eu queria rir. Por que então a sensação de que minha vida ainda seria longa? Só podia ser piada. Quando finalmente encontrei pessoas que combinavam comigo, e uma pessoa de quem eu realmente gostava Deus faz isso comigo? 

Deixo uma lágrima escorrer. É tão constrangedor ser a vítima, sinto-me envergonhada e indefesa. Claro que Daryl era demais para mim. Isso jamais aconteceria com ele, ele não é desleixado, sempre presta atenção e está atento. Se eu tivesse sido um pouco mais como ele, talvez a minha história não terminasse aqui. 

DIXON - No Fim Do Mundo Onde histórias criam vida. Descubra agora