Capítulo 15 (revisado)

1.7K 185 16
                                    

-Você tinha mesmo que armar aquele barraco? Perguntou Merle para mim.

Dei de ombros.

-Você sabe que nós vamos ser expulsos por sua causa não sabe? Insistiu ele- Não que eu gostasse dessa gente idiota, mas até onde eu sei você não sabe muito sobre o que acontece aqui fora. E não é bom ficar sozinha por ai. 

Era verdade. Provavelmente seríamos expulsos do acampamento. Não que eu fosse me importar de não ter mais que olhar para aquelas pessoas desprezíveis, mas o mundo lá fora poderia ser bem pior. Poderia não, ele é.

-Vaca - cuspiu Merle para mim enquanto fumava seu cigarro.

Continuei o ignorando.

Nos colocaram em uma tenda, vigiados por vários homens do grupo, naquele momento nós éramos o "alerta máximo".
O mundo cheio de monstros que devoram pessoas e as pessoas descobrindo que os monstros na verdade somos nós mesmos. Nada nunca fez sentido. Pelo menos agora as máscaras caíram.

Nos deixaram fora do ar por quase uma hora, eu já estava louca de fome e angustiada pela companhia de Merle, ele era insuportável e asqueroso. Pior do que Merle e seus comentários desnecessários era o silêncio de Daryl, não falou, não se movimentou e -juro- parecia nem respirar, só pela proximidade que estava de mim. Aquilo me desmontava.

Depois do que pareceu uma eternidade, o líder do grupo, Staton, entrou na tenda e nos encarou. Especialmente a mim. 

-Entramos em um consenso - Comentou ele

Todos o encaramos.

-Vocês dois -disse apontando para Daryl e Merle- podem ficar. Mas vão ter que andar na linha. A pesar dos pesares vocês tem muito a somar aqui conosco

Os irmãos Dixon se encararam.

-Mas a garota -ele disse sem olhar pra mim, como se eu não estivesse ali- Ela tem que ir. Nós concluímos que você, Maria- eu odiava que meu nome saísse de sua boca- Foi muito ingrata com a ajuda que demos a você. Elise insistiu que Daryl a procurasse e olha como você retribui.

Reviro os olhos. Não devo nada a Elise. Ela apenas fez isso para ficar de bem com sua consciência e nem com isso parece se preocupar agora.  

Era Elise, Eu tinha certeza de que era. Talvez não fosse a única a me querer fora dali mas o foco era sempre ela. Tudo bem, então eu estava com alguns problemas do tipo ter que andar por ai sozinha e sem rumo em um mundo pós apocalíptico cercado de criaturas sobrenaturais.

Fichinha, jogar paciência no pc exigia muito mais de mim.
Ou não?

Tratei de arrumar os meus pertences de forma rápida e organizada. Peguei tudo o que tinha guardado na barraca de Daryl e estava metendo o pé quando vi uma criaturinha de cabelos loiros parada em frente a entrada.

-Oi boneca- eu cumprimentei-a.

-Me disseram que você vai embora.

Eu fechei o zíper da mochila.

-Eu tenho que ir.

-Eu não queria que você fosse- ela disse.

-Quando eu crescer quero ser como você -continuou.

Aquilo me pegou de surpresa.

-Como eu?

Ela sorriu.

-Você é bonita e sabe lutar, não tem medo dos monstros.

-E você tem? Perguntei a ela.

Ela assentiu.

Me aproximei dela.

-Você precisa ser corajosa. Eu também tenho medo deles, não consigo dormir a noite de tanto medo. Mas ninguém vai deixar eles machucarem você, porque você é muito esperta e sabe das coisas.

-Meu irmão diz que eu ainda sou muito pequena.

-Seu irmão não sabe que a valentia é algo que nasce e morre com a gente.

-E você vai morrer?

Engoli em seco.

-Eu espero que não- disse a ela. Então sai da barraca e fiquei de costas.
Senti os olhos dela cravados nas minhas costas.

Me virei.

-Se cuida florzinha- disse eu a ela- O mundo é seu.

Então deixei uma lágrima rolar pelo meu rosto enquanto beijava sua testa.

                                                                                           *

O silêncio tinha sido meu melhor amigo durante um mês na biblioteca. O barulho tinha sido o meu fracasso em poucos dias com pessoas. Talvez fosse torturante ouvir os grunhidos a noite, talvez fosse assustador o medo de enfrentar sozinha o mundo, mas talvez fosse melhor do que ouvir o risinho contido das famílias do acampamento. Aquilo me partia o coração. Unia todas as minhas forças para não chorar.

Minha família não era nem de longe perfeita, não era modelo, padrão, exemplo e nem nada parecido, mas era a minha família. E eu sentia falta dela agora. O choro da minha irmã quando acordava a noite, o incomodo que era dormir com as luzes acesas porque meu irmão tinha medo do escuro, as constantes brigas dos meus pais, o latido do cachorro, o canto do passarinho preso na gaiola do vizinho. Estaria louca de dizer que não sinto falta disso? Provavelmente sim. Sinto falta da família sim, e da casa e dos livros, mas não na monotonia de nossos dias. Do andar inconstante de cada passo dado. Sinto falta dos dias que não vivi, das pessoas que não conheci, dos lugares onde não pude ir. Me tranquei no quarto a maior parte da vida, imaginando que um dia a tortura acabaria e que eu viveria a minha vida, os meus sonhos, as minhas expectativas... Vã. Dias vãos...

Tortura é viver o hoje sabendo que meu passado não valeu a pena pois meu futuro está arruinado. Papo depressivo, bad, sofrência, chame do que quiser, mas é a minha dor.

Será uma noite bonita afinal, um céu estrelado, típico do inverno do Sul, onde nunca se sabe quando chove ou faz sol, esquenta ou faz frio e agora, se vive ou se morre. Mas o céu iluminado é ainda mais sombrio visto de baixo. O mundo está tão errado, as noites não deveriam ser mais tão bonitas. Agora, ainda crepúsculo, vago pela estrada de chão procurando um lugar para passar a noite. Invadir um lugar é arriscado mas ficar exposta é perigoso. E na minha condição... tudo que eu não preciso é correr mais perigo.

De repente, algo, um movimento detrás de arbustos, um som de galho sendo partido. Poderia ser só mais um andarilho. Mas não era.

                                                                                             *

DIXON - No Fim Do Mundo Onde histórias criam vida. Descubra agora