Capítulo 62 (revisado)

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Eu não sabia que tinha pulmões para gritar tanto. Eu realmente me subestimo. Mas Daryl também muda essas coisas em mim. Por ele eu gritaria para sempre. Mas o meu grito não era capaz de cortar o efeito das coisas que tinham acontecido, ele havia sido mordido. Mordido. E ele não era portador de um sangue como o meu, ele não resistiria ao veneno. Ele ia me deixar. Mas ele não podia. Os gritos abafaram a minha visão, minhas bochechas taparam meus olhos e eu corri na direção dele. Mas alguém me puxou de volta para trás, e seja lá quem fosse eu não podia sequer ouvir a sua voz, tamanho era o meu desespero por salva-lo. Eu me debati como um porco no abate e outra pessoa se juntou para me impedir de chegar a Daryl. Esse último me olhava surpreso mas não assustado, vi a lamina de sua faca brilhar e em seguida o corpo da velhinha maldita cair ao chão. Daryl se levantou, tonto pelo tombo ou pela mordida e Josh foi em sua direção, tapando minha visão de seu ombro ferido. Eu senti lágrimas quentes rolarem pelo meu rosto e então alguém me pegou no colo. Reconheci os braços de Alec. James nos empurrava escada acima onde mais zumbis despontavam. Eu não lutei, se aqueles homens estavam ali para me proteger seria a vez em que eu não os impediria, tudo que eu precisava era chegar a Daryl.

-Cale a boca dela- foi a primeira coisa que eu ouvi quando finalmente parei de soluçar e comecei a voltar a mim. Eu não sabia de quem era a voz. Um rosto surgiu diante dos meus olhos. Era Daryl.

-Ei, você era mais durona quando te conheci- disse ele calmamente. Alec me colocou no chão e eu o apertei em um abraço molhado.

-Mas eu não tinha medo de perder ninguém quando você me encontrou- respondi.

Ele me olhou com um sorriso medroso como se minhas palavras de afeto fossem as únicas que ele ouvira durante a vida. Por um momento eu esqueci que ele estava contaminado.

-Estou bem- disse ele.

-Me deixe ver- pedi. Ele virou o pescoço e então eu vi. No lugar onde a velhota mordeu não havia sangue, mas um líquido preto sobre a pele avermelhada.

-Mas eu vi- disse retornando a chorar e abraçando-o mais forte. Ele assentiu e colocou a boca em meu ouvido.

-Ela não tinha dentes- respondeu ele. Não importava o quanto eu havia chorado nos últimos dois minutos, agora a minha vontade era de gargalhar até minha garganta falhar comigo. Mas eu me contive.

-Que merda cara- disse eu depois de engolir as palavras dele. Todos respiramos aliviados.

-A porra da velhota não tinha dentes cara. Deus deve estar de sacanagem com a gente- comentou Bob limpando o suor da testa- Puta merda.

Eu me sentei contra a parede e comecei a rir, jamais me sentira tão aliviada na vida. Não foi dessa vez que eu havia me livrado dele. Obrigada força maior.

-Está silencioso demais- comentou Bob olhando em volta pelos corredores do segundo andar.

-Devem haver mais deles nos quartos- comentou Alec.

-Teriam saído depois dessa cena- completou James rindo para mim.

Mas era realmente estranho que não pudêssemos ouvir qualquer ruído arrastado de outro semi-morto se aproximando. Eu esperava que tivesse mais deles aqui em cima já que os quartos provavelmente ficavam aqui. Seguimos adiante sempre apostos e tudo o que encontramos foram corpos de zumbis mortos no chão.

-Não fomos os únicos a passar por aqui- disse Daryl olhando para dentro de um dos quartos.

-Mas se mataram estes por que não matariam os outros? perguntei. Ele deu de ombros.

-Talvez tenham tido que se mandar rápido, não houve tempo para lutar, só fugir.

Mais corpos jaziam pelos corredores e camas. Detive meu olhar em um homem velho sentado numa cadeira de rodas, transformado e morto, os olhos ainda abertos na direção da janela a sua frente, como se esperasse por alguém. Senti uma pontada de dor no coração. Depois de varrermos o andar de cima chamamos Ozônio e os outros que haviam ficado para trás e montamos acampamento no segundo andar. Eu estava vasculhando a despensa quando Bob se aproximou por trás de mim.

-Nós os perdemos Maria- eu levei um tempo para entender aquela frase solta.

-Quem? pedi, rouca. Ele assentiu. Era nossa outra equipe da Geórgia.

Acabou, eu era a única agora. Deixei uma única lágrima solitária escorrer pelo meu rosto.

-Sinto muito- disse ele pegando a cesta de minha mão- Vamos tentar contato com o Alabama e tirar você daqui o mais rápido possível, as coisas estão piorando e não podemos perder você também.

Só consegui assentir e limpar o rosto com a manga da blusa encardida. Ele me acompanhou até o segundo andar e de volta para o quarto onde estávamos todos juntos, o silêncio era duro lá dentro. James foi o primeiro a falar.

-Woodwork entrou em contato conosco, ele havia perdido todo mundo e tinha sido mordido- informou.

-Ele disse que somos capazes o bastante para conseguir tirá-la daqui e ajudar o mundo. Cumprir nossa missão- completou Michael- E eu acredito nele, essa equipe é muito forte.

Ele deixou o olhar se deter em cada um de nós por um instante e então voltou a falar:

-Precisamos seguir em frente.

-E para onde? eu qui saber- Por que eu não consigo ver muitas opções.

-É só porque você tem a mente fechada. Estou dizendo que vamos conseguir garota.

Um barulho no andar abaixo chamou nossa atenção.

-Deve ser apenas um zumbi preso que ainda não achamos- disse Bob- vou verificar.

-Vou com você- disse.

-NÃO- Michael protestou- Você fica até termos certeza de que não é nada perigoso.

-Eu vou com ele- afirmei me levantando. Bob foi quem reclamou dessa vez.

-Ele está certo Maria, a sua segurança é mais importante agora do que nunca, estamos perdendo todo o foco da nossa missão e não podemos mais correr riscos. Você fica.

-Mas eu sei me defender- argumentei.

-Nós não duvidamos disso- disse ele- Só que a sua vida vale mais que o capricho de ser útil. Não é por você, é pelo que você é. Você tem uma responsabilidade enorme nas mãos e nós precisamos garantir que tudo fique em cima dos trilhos, mesmo que seja difícil.

Eu senti o meu sangue ferver, ser útil não era um capricho, era uma necessidade, eu não queria depender de ninguém, queria mostrar a todos eles que era uma sobrevivente, mas depois das palavras de Bob eu não insisti, não queria ficar ao lado dele em uma ronda se era isso que ele pensava de mim. Me sentei próxima da janela e não olhei para ninguém. Ignorei a conversa dos soldados até que tornei a ouvir a voz de Bob.

-Não era um zumbi, não encontrei nada vivo lá embaixo e nada que estivesse fora do lugar.

-Vamos ficar alertas essa noite- disse Alec- podemos ter intrusos.

-Pego o primeiro turno - falou Bob, e então outros horários foram distribuídos. Eu encarei Josh com evidente desejo de ganhar o que fazer mas tudo o que ele fez foi me lançar um olhar de "nem adianta perder seu tempo" .

Comi uma lata de sopa fria e resolvi sair para pensar um pouco.

-Onde você vai? Pediu Michael

-Respirar- respondi contra vontade- Tem muito ar respirado nesse cômodo.

-Nesse caso Alec irá com você- respondeu tranquilamente enquanto comia feijões de uma lata amassada.

-Eu não preciso de guarda-costas- respondi com raiva mas ele apenas arqueou as sobrancelhas e voltou a comer.

-Vou com ela- interpôs Daryl.

-Fique fora disso Dixon- respondi a ele. Mas quando eu sai do quarto ele me seguiu mesmo assim.

-Você não precisa continuar bancando a babá- falei enquanto descia as escadas.

-Não estou fazendo isso por você- disse ele passando a minha frente- Estou fazendo por mim. Esses caras são um saco as vezes.

Ele chegou ao primeiro andar e rumou até a porta. Eu senti raiva e solidão pela indiferença dele mas não disse nada. Ele tirou os entulhos que empilhamos contra a porta da frente e segurou a maçaneta.

-Vamos caçar alguma coisa- sugeriu, e quando abriu a porta havia uma arma apontada para seu rosto.

-Ou vamos ser caçados- comentei me preparando para mais uma batalha.

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